Pequenos (importantes) pedaços da
história
Estive no Rio de Janeiro de 15 a 20
de maio e coletei mais algumas entrevistas que muito irão acrescentar ao
projeto de pesquisa do livro “A Grande
História do Surf Brasileiro”.
RESTAURANTE DO
IATE CLUBE DO RIO DE JANEIRO
A razão principal de minha ida foi o
convite de Armando Serra para um almoço, no Iate Clube do Rio de Janeiro, que
reunia alguns dos surfistas que começaram a surfar com as pranchas de
madeirite, ainda nos anos 60.
Agradeço o apoio de meus parceiros
(seus logos estão na coluna lateral deste blog), que estão viabilizando estas
viagens e a dedicação de corpo e alma nesta fase do projeto de pesquisa, antes
dos recursos serem captados através das leis de incentivo. Não deixarei estacionada
a coleta de informações para a obra. O livro vai sendo construído.
ARMANDO SERRA
Armando Serra parou de surfar em
1968, mas ele foi um dos mais atuantes surfistas dos anos 60. Esteve na reunião
com o governador Negrão de Lima que visava liberar o surf nas praias cariocas, que
ficou restrito depois que as primeiras pranchas começaram a atingir banhistas;
foi um dos descobridores de Saquarema (para o surf); sempre estava entre os
melhores colocados nos campeonatos realizados na cidade do Rio de Janeiro na
segunda metade dos anos 60. Depois que parou de surfar trabalhou como
mergulhador profissional na montagem do Píer de Ipanema, no lançamento das tubulações
dentro das pilastras. Participará da comissão julgadora das regatas nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.
ARMANDO SERRA
COMPETINDO NO ARPOADOR.
REPRODUÇÃO DA HISTÓRIA DO SURF NO BRASIL – 50 ANOS DE
AVENTURA,
DE ALEX
GUTENBERG, PRODUZIDO PELA REVISTA FLUIR
PUBLICADO PELA EDITORA AZUL EM 1989.
PUBLICADO PELA EDITORA AZUL EM 1989.
FOTO DO ACERVO
DO JB.
Em 2010 Armando soube que Wady Mansur
(ao lado de Daniel Sabá), estava organizando o primeiro evento “Lendas do Arpoador”.
Não foi um dos convidados, simplesmente soube, apareceu na praia e logo se
enturmou. Como ativo sócio do Iate Clube foi ele que organizou este segundo
encontro (almoço) dentro da Baía da Guanabara.
O IATE CLUBE
NA SEXTA-FEIRA 16 DE MAIO DE 2014 – OUTONO CARIOCA
FOTO: DRAGÃO
ARMANDO SERRA,
DE CAMISA VERDE CLARA, CONVERSA COM JORGE BALLY (PERSEGUE), WADY MANSUR
SELECIONA FOTOS DOS ANOS 60 QUE VEM COMPILANDO, PARA ME MOSTRAR EM SEU TABLET (WADY
E EU ÉRAMOS OS CAÇULAS – CONVIDADOS HONORÁRIOS), NO CANTO DA FOTO, MARCELO
RABELLO DEGUSTA A SUA CERVEJA.
FOTO: ROGÉRIO “JAPA” TADASHI
Um pouco mais novo que Armando,
Marcelinho – como era conhecido na época, também vem colaborando comigo e
preparou um levantamento com os resultados de todos os primeiros campeonatos
realizados no Rio, um texto longo, abrangente e explicativo... Em breve estarei
publicando, de forma ilustrada, aqui neste blog, com muitas outras informações.
Vamos agora conhecer um pouco mais sobre Armando Serra, reproduzo a seguir
trechos de uma entrevista de mais de uma hora que realizei com ele:
“Meu nome completo é Armando Silva
Serra, nasci na cidade do Rio de Janeiro em 16 de fevereiro de 1946. Eu morava
em Ipanema e meu pai ia muito a praia, principalmente no Arpoador. Dos 10 aos
14 anos tivemos de morar em Belém (PA), quando voltei ao Rio, no verão de 1960
para 1961 o surf havia entrado em cena no Arpoador e eu me interessei de
imediato. Fui atrás de uma prancha de madeirite. Comecei a surfar com um
pequeno grupo de pioneiros, havia uns 20 surfistas.
O pessoal que tinha as informações
era a turma da caça submarina, George Grande, Luís Bisão, Bruno Hermany... As
novidades que eles traziam era sobre o material de mergulho e as primeiras
pranchas. O Bisão fabricou as primeiras (“portas de igreja”). Quando o mar
estava de ressaca, ninguém conseguia pescar, então todo mundo ia pegar ondas.
Nos dias tranquilos nós dávamos a volta nas pedras do Arpoador, eu ia junto com
Badué, João Cristovão, Walcyr Rabello, o Barriguinha (Irencyr). Uma turma que tinha
essa simbiose de onda e caça submarina.
FOTO COM MEU CELULAR DO ALMOÇO
REALIZADO NO DIA 16 DE MAIO. AO FUNDO, DA ESQUERDA PARA A DIREITA: JORGE BALLY
(PERSEGUE), WADY MANSUR E SEU FIEL ESCUDEIRO JAPA (ROGÉRIO TADASHI) MANDANDO UM
HANG LOOSE, FERNANDA GUERRA, MARCELO RABELLO, IBATÉ JOST E ROBERTO AMARAL; NA
LINHA INFERIOR: DIANA AZAMBUJA (QUE FOI NAMORADA DE ARDUÍNO COLASSANTI), ARMANDO
SERRA, GILDA CARVALHO, DENISE RABELLO, VALERIA JEANS E RAIMUNDO CANÁRIO.
Com as pranchas que tínhamos, aquelas
madeirites, surfávamos mais as ondas do Pontão do Arpoador, pois já entrávamos
cortando a onda. No Posto 6, em Copacabana, havia ondas ótimas, mas com os pés
de pato era mais difícil aproveitá-las, pois eram rápidas, até que apareceu o
Peter Troy, em 1964 e tudo mudou... Um professor do Russell Coffin da escola
americana, o Maísa, que surfava conosco de madeirite, sabia que o Russell tinha
uma prancha importada. O Peter mostrou o que era o surf, andando na prancha,
dando cutbacks.
Nesse ponto houve a transição das
pranchas de madeirite para as de fibra. Você flutuava, pegava muito mais ondas,
não precisava usar o pé de pato. O Peter Troy ficou aqui mais de um mês e
começou a nos dar todas as dicas de como surfar, como fabricar as pranchas. O
pessoal começou a trazer pranchas importadas. Começamos a ir com mais
frequência em direção à Barra, o Arduíno tinha um jipe, eu também tinha um jipe,
íamos o Persegue (Jorge Bally), Geraldo Fonseca e Arduíno junto com algumas
meninas.
Era bom ter um carro de apoio, caso
um quebrasse. Lembro também que estavam construindo a Santos-Rio e sempre que
conseguíamos furávamos o bloqueio da obra e chegávamos mais rápido do que pela
precária estrada da praia. Na praia da Macumba já surfávamos desde a época das
madeirites. Para ir até a Prainha parávamos o carro e íamos andando pelo morro
por uma trilha, que nem cabritos, e pulávamos na água da pedra em um
determinado ponto. Para voltar partíamos da praia pela trilha.
SAQUAREMA
Havia um amigo meu de família de
armadores da Noruega, o Knute Aune, o Tute, que gostava de ondas grandes. Fomos
até Saquarema na casa de alguns amigos nossos, mas a ideia era a caça
submarina. Nós chegamos lá e pescamos, mas fiquei olhando para a praia e
pensei: ‘Isso aqui é perfeito para pegar ondas, não tem igual é um paraíso’.
Isso foi em 1964, antes do Peter Troy aparecer, ainda era época das madeirites.
Era uma aventura ir até lá, você tinha que atravessar de barca, ia pela estrada
antiga. Havia peixe à beça e ondas. Fui algumas vezes com Tute e depois levei o
Russell e o John Hansen. Começamos a levar nossos amigos. Depois tínhamos
namoradas que tinham casa de veraneio lá, um lugar para dormir e ficar mais
tempo.
FOTO DO ACERVO DE ARMANDO SERRA –
SAQUAREMA ANOS 60
COM RUSSELL, MONICA, GERALDO FONSECA, SERRA E PERSEGUE.
Um dia o Parreiras apareceu na praia
com uma prancha de madeira, com bico largo, disforme, o formato estranho, um
horror; mas na concepção dele aquilo era uma prancha e entregou para nós
testarmos na praia. Depois disso alguém foi na fábrica dele, acho que foi o
Mário Bração e shapeou um prancha. As primeiras já de espuma amassavam
fácil, ele foi reforçando a laminação. A partir desta segunda prancha que ficou
fraca ele foi evoluindo.”
As Surfboards São Conrado se
transformaram no parâmetro no final dos anos 60.
O MERCADO -
PRANCHAS
Armando Serra conta: “Minha primeira
prancha foi uma madeirite da Serraria Arpoador, na R. Francisco Otaviano, mas
eu sempre procurava emprestar as pranchas fabricadas na Ilha do Governador, aquele
design do Irencyr Beltrão, elas eram MUITO melhores, a diferença era muito
grande na performance, o shape era totalmente diferente”.
As pranchas de surf, seu design e
funcionalidade, sempre serão a mola propulsora da performance da evolução do
esporte. O primeiro grande fabricante de pranchas do Rio de Janeiro foi o
Coronel Parreiras, com as suas São Conrado Surfboards, ainda descerei fundo
pesquisando e coletando imagens sobre estas pranchas emblemáticas. Em um
determinado período a mais importante fábrica do Rio, do Brasil. Vejam o que já
consegui com um amigo meu da turma do Guarujá:
CARTÃO - RECIBO
DE UMA MINI MODEL
ADQUIRIDA EM 1970 POR CLAUDIO CELSO
ADQUIRIDA EM 1970 POR CLAUDIO CELSO
FRENTE
VERSO
Muitos shapers importantes
trabalharam na fábrica do coronel, Cyro Beltrão, Mário Bração, Tito Rosemberg,
Carlos Mudinho... A expansão de blocos de poliuretano, que Parreiras começou a
fazer, foi assumida por Russell Coffin. Durante muitos anos ele foi responsável
pela Clark Foam no Brasil (devo entrevista-lo em breve). Porém, com esta postagem,
vou me ater às entrevistas que acabei de fazer. Por ordem de idade.
YSO AMSLER
Aloysio Amsler Moura (11/04/52) carioca
da Urca, hoje mora no Jardim Botânico, começou a surfar com uma prancha de
madeirite, na praia de Fora, que fica dentro da fortaleza de São João, (área
militar restrita, ao final da Av. João Luís Alves), o pai de Yso era militar.
Um praia que já está na região oceânica, foi lá que Yso aprendeu a surfar.
YSO EM SUA CASA NO JARDIM BOTÂNICO. ELE VIVEU A EXPERIÊNCIA DO PÍER
Ele conta sua história: “Dá ondas
muito boas lá, parecidas com as do Pepino, ela bate na pedra e sobe um pico.
Com as madeirites era legal porque ela vinha estourada e ficava fácil para
pegar. Ganhei minha madeirite em dezembro de 1964, mas antes disso já tinha
gente com outras madeirites e eu emprestava. A primeira prancha que vi foi do
Carlinhos Chaves, irmão do Cesinha (do skate), logo depois pedi uma para meu
pai. Só em 1967 que tive contato com uma prancha de fibra, através de um colega
meu do Colégio Andrews. Ele estava estreando uma São Conrado. Minha segunda
prancha eu comprei do Alexandre 'Xuxa', que hoje é médico nos Estados Unidos,
foi um pranchão São Conrado. Até 1967 fiquei naquele meu mundinho da Urca.
Minha terceira prancha saiu deste próprio bloco da minha São Conrado, que foi
descascado pelos shapers da Twilight Surfboards - Canário e Marcelo Rabello e
transformado em uma mini model. Comecei a consertar pranchas. No final de 1971,
junto com meu irmão mais novo, Sergio, decidimos fazer pranchas, compramos
espumas na São Conrado e aí nasceram as Pranchas Amsler. O primeiro shape foi
do meu irmão. No início de 1972 um grande amigo meu que morava na Urca, o Zé
Bello (filho da Nair Bello), trouxe o pranchão dele para descascar e saiu uma
6’10”, que foi laminada na mesa de jantar da Dona Nair. Uma coisa que me
orgulho é de ter sido o primeiro brasileiro a trabalhar no Hawaii, contratado
pelas lojas Surf Line Hawaii, no meio dos anos 70.”
POSTER MONTAGEM COM MOMENTOS DE YSO
AMSLER E AMIGOS
Yso também tem histórias incríveis,
seu depoimento gravado passou de uma hora. Ele me traz para uma reflexão sobre
os surfistas shapers. No início dos anos 70 muitos dos grandes surfistas
competidores de chegada eram shapers. Esta foi uma das razões de fábricas como
a São Conrado perderem espaço para os fabricantes artesanais. Surfistas que
fabricavam as pranchas e viviam o surf, testavam os seus designs.
FINALISTAS DO CAMPEONATO PÍER ’72 (ÚNICO LÁ REALIZADO)
A FINAL ACONTECEU NO DIA 3 DE JANEIRO DE 1973
A FINAL ACONTECEU NO DIA 3 DE JANEIRO DE 1973
BETÃO, WANDERBILL, YSO, MARACA, OTAVIO, PROENÇA
COM EXCEÇÃO DE
PAULO PROENÇA TODOS GASTARAM BLOCOS
TARGÃO VENCEU E YSO FOI O SEGUNDO COLOCADO
TARGÃO VENCEU E YSO FOI O SEGUNDO COLOCADO
FOTO: FERNANDO AMSLER MOURA
Obviamente não vou esgotar a numerosa
lista de talentosos shapers (cariocas) que passaram a dominar o mercado: Cyro
Beltrão, Tito, Mário Bração, Carlos Mudinho, Rico de Souza, MAKACA (Marcelo Rabello, Marcelo Kaneca e Raimundo Canário), depois Otavio Pacheco, Wanderbill, Daniel Friedmann,
Bocão & Betão, as pranchas PriPe (Jorge Pritman e Pepê Lopes), Miçairi,
Heinrich e surfistas das gerações que se sucederam, com suas marcas, a maioria
ativos até hoje Beto Santos, com as Cristal Graffiti; Victor Vasconcelos e
Pedro Bataglin, com as Vicstick – Hotstick – Rusty; Lipe com a Energia; Peninha
com a Invicta; Dardal com a Spirit; Cláudio Pastor e as Graphtec; Ítalo Marcelo
e suas IM – Impact Motion\Island Mana; Jean Noel e vamos falar mais tarde das Hidrojets que
culminaram com as Wetworks.
Muitos outros shapers de qualidade
foram surgindo no Rio, como Crivella, Lelot, Leo Kastrup e suas World Coast,
será impossível citar todos, cada qual com sua marca na história do surf. Isso
sem sair do Rio de Janeiro.
Fecharei este raciocínio com a
próxima entrevista que fiz com Guatavo Kronig, das pranchas Get It, hoje Kronig
Designs. Atualmente com 56 anos Kronig (14/2/58) representa o shaper que testa
seus foguetes na água, surfa com qualidade e projeta pranchas cada vez melhores
se valendo da tecnologia, máquinas, oficinas especializadas em laminação e
surfistas (team riders) que passam um precioso feedback. Kronig é um waterman
nato.
KRONIG DESIGNS
"BROTHERS" - KRONIG SENDO RABEADO POR IANZINHO - ANTÔNIO MARTINS, EM ITAÚNA. NÃO TENHO CRÉDITO DESTA FOTO, MAS PODE SER DE FEDOCA, MÚCIO SCORZELLI, ROGÉRIO EHRLICH, TUNICO DE BIASI, NILTON BARBOSA, KLAUS MITTELDORF, FREDDY KOESTER...
UM DOS FOTÓGRAFOS QUE SE DEDICARAM A REGISTRAR O SURF CARIOCA NOS ANOS 70
PARA O LIVRO TEREI TODOS OS CRÉDITOS CORRETOS
UM DOS FOTÓGRAFOS QUE SE DEDICARAM A REGISTRAR O SURF CARIOCA NOS ANOS 70
PARA O LIVRO TEREI TODOS OS CRÉDITOS CORRETOS
“Meu nome é Gustavo-Roberto Kronig,
mistura de suíço, alemão e português por parte de pai; francês por parte mãe.
Meu pai era advogado e gostava de velejar. Meus pais descobriram Búzios nos
anos 50\60. Ele tinha barco e às vezes era mais fácil ir de barco do que carro
até Búzios. Cheguei a viajar de barco de Cape Town para Santos, ou Buenos Aires
e sempre me interessei por barcos, o design deles, água, mar, hidrodinâmica e
quando me transformei em shaper esse conhecimento me ajudou, pois é baseado nos
mesmos conceitos que já me interessavam. Comecei a shapear em 1973. Ganhei
minha primeira prancha em 20 de agosto de 1969, no dia que o homem pisou na
lua. Era uma mini model importada, Design 1 - Reflector, trazida da América por
minha mãe, que hoje está no museu do Monarca. Estudei no colégio Brasileiro de
Almeida, da família de Tom Jobim e na minha classe tive como colegas Tico
Cavalcanti, Cacau Falcão, Zeca Proença (Mendingo), Rogério Izetti (Broca) e
outros surfistas”.
KRONIG FOI UM
DOS SURFISTAS QUE PARTICIPOU DA EXPEDIÇÃO TICO, JUNTO COM A REVISTA FLUIR PARA
DIVERSAS ILHAS DA INDONÉSIA, EM 1989. ELE ESTÁ AO CENTRO. FOTO: BRUNO ALVES.
A experiência de Kronig com pranchas
vem desde o início, por tentativa e erro com Ítalo Marcelo, depois com Bill
Barnfield, onde teve o primeiro contato com uma fábrica de pranchas
profissional, aprendeu muito com Heinrich, trabalhou shapeando para Rico,
depois nas Get It, nos anos 80 e agora as Kronig Designs, muitas histórias e
vivência no shape room, na água testando e a facilidade que tem hoje para criar
seus designs no computador. Fez pranchas para diversas gerações de surfistas
como Cauli, Pepê, Valdir, d’Orey, Valério, Felipe Dantas, Burle, do Sul, de
Sampa, da Bahia... Foi sempre se atualizando.
KRONIG, DE
VERMELHO, COM O AMIGO ROBERTO VALÉRIO E ALGUMAS CRIANÇAS MODELOS PARA CAMPANHA
DE PUBLICIDADE DO INÍCIO DOS ANOS 90. ESTA FOTO PEGUEI COM MEU CELULAR EM UM
PORTA RETRATO DA ESTANTE DE SUA CASA.
WETWORKS
JOCA & RM
Na segunda-feira dia 19 de maio fui
fazer uma visita na sede da Wetworks, em Vargem Grande. Infelizmente o Alemão
(Cláudio Walter Hennek) não estava nesta manhã, mas tive tempo de entrevistar
Joca Secco e Ricardo Martins, dois dos mais importantes shapers do Brasil na
atualidade, conheça um pouco da história deles.
ESTE POSTER ESTAVA
NA RECEPÇÃO DA WETWORS. FOTOGRAFEI COM MEU CELULAR E CALCULO QUE SEJA DO MEIO
DA DÉCADA PASSADA. DÁ UMA DIMENSÃO DO VOLUME E QUALIDADE DOS SURFISTAS QUE
ESTES TRÊS SHAPERS APOIARAM AO LONGO DOS ANOS
“Ricardo Martins de Almeida
(30/10/1962), Rio de Janeiro. Sou nascido e criado em Copacabana. Tinha uma
turma de amigos mais velhos do meu prédio com quem eu pegava onda de peito e de
isopor no Posto 5. Depois filava as prancha deles, ia até o Arpoador,
Castelinho. A minha primeira prancha ganhei em 1976, era uma Carrera, uma 7’2”
round pin. Eu era da turma Copacabana e o Joca da turma do Arpoador, por
coincidência fomos estudar no colégio Humaitá, eu um ano na frente. Começamos a
ir juntos aos campeonatos, para competir. Em Saquarema pegamos os últimos, a
Copa CCE em 1982 e o que o Picuruta ganhou, com Daniel Friedmann em segundo, a
I Copa Rádio Fluminense, em 1983. Para Ubatuba íamos em todos os festivais. Nós
éramos uma turma grande de amigos e começamos a fazer pranchas em Copacabana,
numa garagem, junto com o Luís Coruja. Nos esforçávamos para fazer pranchas
boas pois eram para competirmos. Antes, estávamos na equipe do Victor
Vasconcelos. Numa tarde vendo o programa Realce na TV começamos a fazer um
“brain storm” para achar um nome para as nossas pranchas e surgiu ‘Hidrojets’. Era
um cenário supercompetitivo, todos estavam voltados para a competição e o
objetivo maior era a evolução. Entre as turmas de cada praia do Rio era o
desafio de quem estivesse surfando melhor. No início dos anos 90 o Alemão era
um atleta nosso, ensinamos ele a shapear e acabamos formando a Wetworks com os
três shapers. Com a marca sempre tivemos a política de apoiar surfistas novos,
que um dia poderiam ser “top” e honrar a nossa bandeira e do Brasil. O amor que
tínhamos pelo desenvolvimento do surf nunca mudou. O nosso prazer é poder
trabalhar com o que a gente gosta.”
JOCA SECCO FOI
CAPA DA REVISTA HARDCORE EM OUTUBRO DE 1998. FOTO DE FABIO PARADISE NAS ILHAS
MENTAWAI
“João Paulo de Secco Freire (14/12/63), Rio.
Meu pai era da Marinha e eu morava em diversos lugares, quando voltamos a morar
no Rio eu tinha 11 e comecei a surfar no verão de 1975. Comecei a surfar no
Posto 6 em Copacabana, com uma prancha de isopor laminada com resina epóxi feita
pelo meu pai com um outro oficial de marinha. A prancha não tinha marca
nenhuma, mas tinha o desenho de uma âncora, símbolo da Marinha. Nos finais de
semana íamos até a Prainha, ou então no Quebra-Mar. Depois meu pai deu um jeito
de trazer umas pranchas do Gerry Lopez, eu tinha uma amarela, com raio preto. Começamos
a fazer pranchas com o Luís Ferreira (Coruja), em 1982. Ficamos uns seis meses
consertando pranchas para juntar o dinheiro e poder fazer as primeiras. O
Coruja era o máster shaper. No final da década de 80, a partir de 1990 que
surgiu a marca Wetworks e criamos nossas marcas. Foi o momento que começaram as
fábricas de laminação. Eu laminava minhas pranchas Secco na Superglass. Começamos
a usar o mesmo logotipo com cores diferente. O conceito que críamos desde o
tempo da Hidrojets, de três shapers trabalhando juntos e discutindo as ideias é
única no mundo e aqui deu certo. E até os licenciamentos que escolhemos (Super
Brand e Pyzel) são amigos da gente e pessoas que nos damos bem.”
DURANTE A
MOSTRA DA ALMA SURF, NA BIENAL DE SÃO PAULO EM 2009, ENCONTREI COM JOCA E RICARDO EM
FRENTE A UMA COLEÇÃO DE 50 RÉPLICAS DE PRANCHAS FAMOSAS E UMA OUTRA CURADORIA QUE FIZ DA LINHA DO TEMPO DA SURFWEAR NO BRASIL. JUNTO CONOSCO O LEGEND
CHICO PAIOLI.
FOTO MARISA
PAIOLI
A fabricação de pranchas é o primeiro
canal industrial do surf. Sem as pranchas não há o esporte e muitos shapers são
instrumentais nesta evolução. Várias outras entrevistas com artesãos,
conhecedores, que vivenciaram o esporte dos reis havaianos no Brasil trarão o
seu insight – ponto de vista, para a produção do livro.
MANSURF
A indústria de confecção hoje é a que
move as maiores cifras neste mercado, mas nem sempre foi assim. No início e até
o final dos anos 70 ela tomava um papel secundário, inclusive nas publicações
de surf nacionais e internacionais. Existiam muito mais anúncios de pranchas do
que de roupas. Esse fenômeno e toda a evolução histórica da fabricação de
surfwear no Brasil, será tratada de forma profunda no livro, vamos a uma pitada
dessa vertente da história.
Armando Serra: “Minha mãe chegou a
mandar fazer bermudas para mim com uma costureira. Eu via o pessoal de bermuda
pegando onda e a parafina arranha muito, aí eu pedi para minha mãe fazer um
modelo baseado nas revistas estrangeiras. Eu tive umas quatro a cinco bermudas.
Escolhia as cores das faixas. Eu fiz só para mim, pela necessidade de usar".
Esta costureira poderia ter se
transformado na “Nancy Katin Brasileira”, mas a história não foi assim, reparem
o modelo das bermudas nas fotos de Serra acima.
DRAGÃO, WADY E SERRA NO IATE CLUBE DO RIO DE JANEIRO
FOTO: JAPA
Wady Mansur foi um dos pioneiros na
confecção. Ele e seu irmão Fuad Mansur (ainda tem o mais velho e estiloso
surfista Elias), são famosos por produzirem atualmente uma das melhores
parafinas do planeta, a FU WAX, usada até por Kelly Slater. Fuad ainda será
entrevistado, mas trago aqui fragmentos de um papo de 80 minuto com:
“Wady Lopes Mansur, nasci na Colômbia
em 10/06/1956, com três anos eu vim para o Brasil. Meu pai também é colombiano,
mas filho de árabe, ele trabalhava com lingerie. Nós fomos morar em Santos, no
Canal 3, e meu irmão mais velho o Elias comprou uma prancha caixa de fósforo.
Compramos do Orlando Mariani uma prancha que tinha uma rolha atrás. Já tinha
algumas madeirite e também aqueles tarugos da Glaspac, a MK 1. Quando saiu a MK
2 nosso pai comprou mais uma para mim e outra para o Fuad, com listas verdes e
brancas. Isso em 1967. O pico era o Canal 3 e a turma que surfava lá eram os
irmão Twin, Dudu, Carlinhos e os irmãos Cangiano.
Meu pai tinha uma confecção de saídas
de praia em Santos. Ele que desenvolveu com um sócio as calças Rancheiro e
depois as calças Calhambeque, que o Roberto e o Erasmo Carlos usavam. Demos a
ideia para ele de fazer bermudas de surf, começamos a fazer as primeiras de
nylon floral, com ilhós. Vendíamos na loja dele, sem marca. Comprávamos panos
de cortinas. Depois criamos a marca ManSurf e enchemos a paciência do meu pai
para nos levar ao Rio. Nós viemos para o Rio de Janeiro com o objetivo de
comprar bermudas da Magno para vender lá na loja de meu pai, que era na Rua Frei
Gaspar, em São Vicente. Entramos na loja e parecia um sonho de criança, lembro
que as prateleiras eram barris. A mesa era uma prancha.
ANÚNCIO DA
MANSURF PUBLICADO NO PASQUIM, COM WADY CABELUDO COMO GAROTO PROPAGANDA.
Compramos algumas bermudas levamos
para Santos, mas naquele meio tempo que ficamos na loja Magno, na Rua Gomes
Carneiro, falando com o gerente soubemos que tinha uma outra loja para alugar,
dentro da galeria. Meu pai tinha um sócio investidor. Alugamos a loja e
começamos a ManSurf, quase ao lado da Magno em 1973, eu era um garoto de 16
anos. Vimos as ondas do Píer e não acreditamos. Ficamos morando no Rio e quando
apareceu o Flavio Dias com a “boneca” da primeira Brasil Surf, em 1975,
fechamos o anúncio da contracapa, nas edições 1 e 2. Nós fomos os primeiros a
acreditar na revista.
PRIMEIRO
ANÚNCIO
Depois fizemos aqueles anúncios com
muitas camisetas e a parada bombou de um jeito que não estávamos preparados.
Começou a fazer fila na porta de nossa loja. O Magno não acreditava. Éramos
menores e gerávamos aquele movimento. Toda nossa produção era em Santos. Depois
chegamos a ter 100 funcionários. A ManSurf teve o auge de 1973 até 1984. Lançávamos
os anúncios com as camisetas com número de referência e chegavam pilhas de
cheques de todo o Brasil, trabalhávamos com reembolso postal. Tudo pelo correio.
Não parava. Construímos uma casa no Guaiúba, no Guarujá, com esta renda. Depois
veio o sequestro dos depósitos no governo Collor e acabamos quebrando.”
O ANÚNCIO, INSPIRADO NAS CAMPANHAS DA VAL SURF NA REVISTA SURFER AMERICANA, QUE PROVOCOU VENDAS INCRÍVEIS, PUBLICADO NA BRASIL SURF DE AGOSTO 1977, QUE TRAZIA TICO CAVALCANTI NA CAPA.
Mais tarde os irmãos Mansur voltaram
com a marca Black Trunk e hoje com as parafinas. A história toda da surfwear. As
primeiras lojas do Rio: Magno, Ala Moana e Waimea, o crescimento das confecções
paulistas, também será tratado com profundidade, destacando as marcas que
ajudaram a pavimentar este mercado. Além da ManSurf, Tico Cavalcanti (que ainda
não foi entrevistado) com os calções Tico e Daniel Setton (Dany Boi), que criou
em Santa Catarina os calções “Nasimbi”, também no meio dos anos 70, foram os surfistas inveterados que abriram este mercado. Todas estas
histórias serão entrelaçadas. Dany, que hoje mora em Florianópilis, não só foi
pioneiro na confecção, como instrumental na organização dos campeonatos,
participando dos primeiros OP Pro nos anos 80 e hoje organizando, em sociedade com
Xandi Fontes, através da Quântica, o Billabong Rio Pro. A entrevista de Dany,
que começou a surfar no Guarujá e também participou da fundação da Lightning
Bolt (confecção), em 7/7/1977, virá em breve.
FAMOSO ANÚNCIO
DE UM QUARTO DE PÁGINA NA BRASIL SURF
COM PEPÊ, TICO E BOCÃO.
Na minha chegada e partida do Rio
aproveitei para participar de alguns eventos sociais que aconteceram na Cidade
Maravilhosa. Cheguei dia 15 e no final do dia fui até a loja da Osklen, na Galeria
River, para a vernissage de lançamento de uma exposição de fotografias do
surfista do Guarujá, Junior Faria. Além de Junior e Oskar Metsavaht, encontrei
com Julio Adler, Andrew Serrano, Zé Tepedino e Daniel Resnik, que foi quem me convidou, ele
cuida do marketing da Osklen. Segui desde o Recreio, com Gustavo Kronig, que
está fazendo as pranchas disponíveis nas lojas Osklen, ao lado de Xanadus e
outras.
Depois de quatro dias no Rio e um fun
surf na Prainha no final de semana, no final de tarde da segunda (19 de maio)
me dirigi à Forneria, em Ipanema, de frente para a Lagoa Rodrigo de Freitas,
para o lançamento do novo livro do militante político, vereador, deputado e
jornalista Sebastião Nery (8/3/1932) – “Ninguém
me contou eu vi \ De Getúlio a Dilma”. Quem me convidou para a ocasião foi
Jacques Nery, um dos fundadores da revista Visual Esportivo e filho de
Sebastião. Jacques ainda será entrevistado e na próxima postagem aqui do blog
deixarei a segunda leva de capas da Visual Esportivo (meados dos anos 80), já introduzindo
o subproduto Visual Surf. As primeiras edições podem ser encontradas aqui
abaixo, bem como TODAS as capas da Brasil Surf. (colecionem em suas máquinas quem quiser - é só clicar e copiar)
Vou fechar esta longa postagem, com
produtivas entrevistas e muitas informações interessantes, com uma mensagem e
homenagem. Este trecho de texto minha esposa, Maria, colou em nossa geladeira
com aqueles imãs decorativos. Vez por outra releio. Sempre vale a pena. E tem
tudo a ver com a atitude de Sebastião Nery. NINGUÉM ME CONTOU EU VI, chega a
ser um livro autobiográfico de suas aventuras nos meandros da política, sempre
escrevendo com coragem, desafiando o que ia contra as suas convicções
socialistas e principalmente com conhecimento de causa, sabendo como descrever
um cenário, uma personalidade, fazendo entrevistas e colocando as perguntas pertinentes e amarrando tudo com estilo próprio.
Eu sempre encarei o jornalismo de
surf com seriedade e nas centenas de coberturas de campeonatos que me envolvi,
sempre que possível, procurei entrar no mar cedinho, antes das baterias, ou
cair na água assim que a última bateria do dia saia da área de competição, seja em Saquarema,
Sunset Beach, ou Itamambuca – para sentir a arena e poder escrever um texto com
maior conhecimento de causa, como Sebastião fez com sua vida, mergulhada no
ambiente político. Eu sempre discuti detalhes de design com shapers; a melhor
forma de estruturação do esporte com os dirigentes; estratégias de marketing
com empresários. Para o livro que estou projetando lançar no próximo ano,
tentarei trazer a visão mais abrangente possível desta bela história do surf
brasileiro, mesclando minha narrativa com MUITOS apartes entre aspas dos
entrevistados. Como aqui, mas de uma forma mais apropriada a um livro e não no
estilo blog.
A frase abaixo John Fitzgerald Kennedy utilizou em um discurso de 1961 para o banquete do Hall da Fama da NFF (Natinal Football Foundation), mas citando a fonte original que foi um discurso sobre cidadania de Theodore Roosevelt, o 26º Presidente Americano, proferido em Paris, na Sorbonne, em 1910.
“O
merecimento maior pertence ao homem que se encontra na arena, com o rosto
manchado de poeira, suor e sangue... que conhece os grandes entusiasmos, as
grandes devoções - que sacrifica a si próprio por uma causa digna - experimenta
no final o triunfo de uma grande realização - e se ele fracassa, pelo menos fracassou
ao ousar grandes coisas - por isso mesmo o seu lugar nunca poderá ser tomado
por essas almas tímidas e frias, que não conhecem vitórias, nem derrotas.”
serrra éfoda
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