Matéria
publicada em 2003
Continuando
de onde paramos na postagem anterior, resgato mais um texto que fiz e foi publicado
na Revista VENICE Mag, aquela com o Paulo Tendas na capa (veja a última imagem da postagem
anterior a esta). O título original que dei à matéria era uma comemoração aos
25 anos da indústria de surfwear sedimentada por surfistas paulistanos.
ABERTURA DA MATÉRIA PUBLICADA EM 2003
FOTO ALEKO STERGIOU
Quando escrevi
esta reportagem minha primeira ideia foi chama-la “Bodas de Prata da Surfwear
Paulista”, mas o editor da Venice, Fernando Costa Netto, o Dandão, teve a
impactante ideia de alterar para SURF LTDA.
Dandão é um
de meus brothers de infância, com ele fiz uma bela entrevista recentemente, que ainda poderá
sair na íntegra aqui e será de muita utilidade na base de pesquisa para o
projeto de meu livro.
DANDÃO COMEÇOU A SURFAR EM
PITANGUEIRAS, HOJE É LOCAL DO CANTO DO MOREIRA EM MARESIAS. FOTO RETIRADA DE
SEU FACEBOOK.
FOTO: ANSELMO VENANSI, O CARISMÁTICO CACHORRÃO
FOTO: ANSELMO VENANSI, O CARISMÁTICO CACHORRÃO
Fernando Costa
Netto tem o DNA de um puro jornalista, foi um dos que ajudou Paulo Lima e
Califa a conceituarem a revista Trip quando ela nasceu em 1986. Trabalhou como editor de jornais diários como o Notícias Populares, viajou para a Iugoslávia
em meio à guerra que dividiu o belo país europeu, entre outras aventuras,
muitas delas ligadas ao surf. Nos anos 1990 tive um relacionamento estreito com
ele quando trabalhávamos na mesma sala na Editora BWE, eu dirigindo a Hardcore
e ele com liberdade total para desenvolver mais um produto ambicioso, a revista
BOOM, outra publicação que ele concebeu e deixou sua marca no mercado editorial
brasileiro. A história de Dandão é muito interessante e terá espaço nobre neste
blog. Ele foi o mentor (em parceria com Wanderley Romano, dono do Bar Venice,
na capital paulista, hoje atuando com o Salve Jorge), juntos criaram a primeira
revista de bolso - pocket magazine do Brasil, a Venice Mag, no meio dos anos
1990.
Nesta edição
de número 80, lançada em 2003, além da matéria “SURF LTDA”, ainda saiu
publicada mais uma brilhante ideia editorial de Dandão, quem sabe um dia ainda
publicarei ela completa aqui neste blog.
ABERTURA DA MATÉRIA
Porém a
ideia aqui é continuar a contar a história desta turma do Guarujá,
especificamente dos surfistas da capital paulista que frequentavam o Guarujá,
com destaque agora para oito selecionados empresários que se destacaram no ramo
da surfwear.
Intercalarei
as imagens que scaneei numa impressora comum (ampliando dá para ler e ver os
créditos de fotografia), mas colocarei o texto original que tenho guardado em
meus arquivos, fica mais fácil a leitura. Um último detalhe é que por motivos
de espaço Dandão fez “pequenos” cortes e adaptações no que acabou saindo
publicado, eu também dei uns pitacos, mas o texto não foi atualizado. Aproveitem mais esta overdose de informações que eu jamais
conseguiria encaixar em meu livro, mas que fica registrada aqui neste blog.
Tudo isso faz parte do projeto. E que me perdoem os “milhões” de amigos não
citados.
IMAGENS DA VENICE MAG INTERCALADAS COM O TEXTO ORIGINAL
SURF LTDA.
ou
BODAS
DE PRATA DA SURFWEAR PAULISTA
Por Reinaldo Andraus
QUANDO UM PEQUENO GRUPO DE JOVENS EMPRESÁRIOS DA CAPITAL
PAULISTA DECIDIU QUE A FORMA DE SUSTENTAR SUAS VIDAS SERIA TRABALHANDO COM ALGO
RELACIONADO AO SURF, ESTAVA SE INICIANDO UMA SAGA.
HOJE FAZ MAIS DE UM QUARTO DE SÉCULO QUE FOI PLANTADA A
SEMENTE, DO QUE PODE SER CONSIDERADA A BASE DE SUSTENTAÇÃO DO SURF BRASILEIRO.
O
balneário de veraneio mais sofisticado do litoral paulista no início dos anos
70 foi o pano de fundo para o surgimento da primeira geração de empresários da
surfwear brasileira, embora algo similar tenha ocorrido no Rio de Janeiro, o
aspecto de cidade grande do Rio não permitiu que se formassem ali os mesmos
elos especiais que existiram no cerne daquela "turma" de paulistanos.
Ainda havia um agravante, passado o final de semana, eles estavam no coração de
Sampa, o pulmão econômico da América do Sul, a quase 100 kms das ondas mais
próximas. Sem o mar na porta de casa para distrair, o jeito era arregaçar as
mangas, trabalhar e planejar a próxima surf trip.
O cenário: a enseada formada pelas
praias de Pitangueiras e Astúrias, o epicentro do Guarujá, ondas quebrando 360
dias por ano, mar liso quase todas as manhãs, a Ilha Pombeva, estrategicamente
colocada no meio da praia, servindo como 'escudo' para que pudéssemos varar a
arrebentação nos dias mais casca grossa, o Canto das Galhetas, as praias do
Guaiuba, Tombo, Pernambuco e Perequê, para quando a situação ficasse realmente
fora de controle, São Pedro e, indo um pouco mais longe, as MARAVILHOSAS Praias
do Litoral Norte; o toque final - um bando de garotos adolescentes, que se
tocaram que o surf era o melhor passatempo do mundo e estava ali, de bandeja,
para que desfrutassem.
No
final dos anos 60 houve o primeiro grande boom do Guarujá, que naquela época
era acessível apenas por balsa. Prédios e mais prédios, novinhos em folha, se
ergueram de frente para o mar em Pitangueiras e o solitário Edifício Tendas,
nas Astúrias. As ondas estavam ali todos os dias e a garotada, filhos de
abastados cidadãos da paulicéia, curtiam a praia e o mar, que era o quintal dos
apês deles. Um cineminha no centro, uma pelada de futiba à tarde, quando as
barracas eram recolhidas e, o principal, as ondas. Todos tinham uma tabuinha de
madeirite (para ir deitado), depois vieram as Planondas de Isopor, por fim as
pranchas, pesados pranchões São Conrado, Glaspac, Induma e até alguns
importados Gordon & Smith, Hansen, Bing... Claro! Os pais tinham grana.
AMIGOS
DE INFÂNCIA - AMIGOS ATÉ HOJE
A
idade média dos que se iniciavam no surf naquela época era 12 para 13 anos.
Havia alguns tardios, que começaram mais velhos e os mais precoces, cujos
próprios pais se atraíram pelo esporte e jogaram molequinhos na água. Uma coisa
era certa, quem queria se aventurar naquela época, tinha que saber nadar bem,
as cordinhas nem haviam sido inventadas. Uma outra coisa peculiar, era que dado
o caráter provinciano do Guarujá, todos se conheciam e quando pintava um novo
adepto, ele logo se entrosava. Depois de surfar o dia inteiro a galera se
reunia no centrinho do Guarujá, em frente ao Cine Praiano (hoje um boliche),
para tomar um sorvetinho, ficar paquerando e sempre prevendo o que ia acontecer
com o mar no dia seguinte.
Era
fácil distinguir uma rodinha de surfistas, cabeludos e alourados, roupas
largadas, conversando gesticulando de forma característica, tentando imitar
como haviam pego aquele tubo, dado uma batida animal no final de tarde, ou
desferindo cutbacks imaginários com o corpo. Temporadas inteiras de verão a turma
se encontrava na água, gritava um: WOOHOO!!! - quando tomava aquela chuveirada
da rasgada do amigo na sua cara e à noite colocava o papo em dia na Galeria
"Caminho do Mar". Muitas vezes rolavam agitos nos salões de festa dos
prédios, luz negra, estroboscópica, posters psicodélicos, estávamos no início
dos anos 70; também pintavam algumas reuniões mais íntimas, nos apês da galera.
Uma amizade coesa, que transcendia escolas, ou bairros de Sampa, se formou
entre estes adoradores do culto das pranchas. Eles foram para a faculdade,
trocaram de amigos na escola, trocaram de namoradas, mas não os companheiros
das baladas do surf.
QUEM
É QUEM
A
medida que foram se formando na universidade e tiveram de começar a trabalhar,
os caminhos foram diversos. Mas uma atividade ganhou destaque para um pequeno
grupo que se expandiu da primeira até a terceira geração de surfistas de
Pitangueiras: o ramo de surfwear. Só para se ter uma idéia (e me desculpem os
brothers não citados - isso é apenas uma amostragem), vamos dar uma varrida na
praia de Pitangueiras, só pegando os prédios de frente para o mar, partindo do
Maluf, em direção ao Sobre as Ondas. No Edifício Marulho, ficavam as famílias
Chiarella e Rego. Thyola Chiarella hoje é o mais tradicional fabricante de
pranchas do Guarujá, não só com suas Lightning Bolt, mas também com outras
marcas e sempre convidando shapers internacionais. Seu irmão Madinho Chiarella,
junto com os irmãos Fernando e Zezinho Rego, foi um dos fundadores da Lightning
Bolt confecção.
Seguindo praia abaixo, no Edifício Perequê
encontrávamos Garça, ou Fábio D'Aprille, herdeiro dos deliciosos chocolates
Laf, depois apicultor de carteirinha. Passando pela avenida da Igreja, de um
prédio localizado na primeira quadra da Puglisi, os irmãos Villardi, Marcelo e
Maurício, checavam as condições da Ilha. Marché, um dos melhores surfistas do
Guarujá no início dos anos 70, até hoje ainda fornece para algumas confecções.
Na quadra seguinte, passando a avenida que dá aceso ao centro, localiza-se o
Edifício Panorama, onde os irmãos Bibi e Dandão Costa Netto, com suas pranchas
gêmeas, de bordas vermelha e azul, checavam as condições da Ilha, no início dos
anos 70.
José
Maria Whitaker de Queiroz e seu irmão José Luiz, também eram locais da área.
Na
próxima esquina tinha o Edifício San Remo, com suas janelas azuis, lá morava o
saudoso José Roberto Rangel, fundador da Town & Country, um dos mais
carismáticos da turma, surfista de primeira, estiloso, amante de um uisquinho.
Infelizmente um acidente automobilístico levou o "Zuzo Bem" para o
outro lado da vida. Na quadra seguinte, que hoje tem o parquinho (antes era o
Cassino), fica localizado o Edifício Alcatrazes, de onde o hoje biólogo, Paolo
Zanotto, esperava a hora certa para colocar sua prancha Diffenderfer, 7'4"
- dove tail, de madeira balsa, na água.
GAIVOTANDO
Na
quadra em que foi demolido o Grande Hotel Guarujá, bem em frente a Ilha
Pombeva, ergueu-se o Conjunto Brasil Colonial, ancorado sobre as duas mais
tradicionais sorveterias do centrinho, a Caramba, apontada para o Cassino e o
Clube da Orla (hoje Shopping La Plage) e a pioneira Sorveteria Guarujá, de
frente para a galeria. De frente para o mar fica o Edifício Vila Rica, com a
mais antiga loja de surf do Guarujá no térreo, virada para a Galeria Caminho do
Mar. Lá já funcionou a Surf Center, a primeira e por um bom tempo a única surf
shop do Guarujá, depois uma das dezenas de lojas da OP e agora, mantendo o ramo
de atividade por três décadas, um loja Sthill. O visual que tenho dali, bem em
frente a Ilha, do nono andar, é um dos melhores. Meu pai inaugurou o
apartamento em 67, quando o prédio ficou pronto, viemos de um outro apê no
Canal 4, em Santos. Lá eu já surfava com aquelas tabuinhas de ir deitado, com
bico envergado e um buraco para enfiar a mão na borada. Quando vi uns caras
surfando de pé, do lado da Ilha, fiquei curioso. Meses depois o filme Endless
Summer entrou em cartaz, fui assistir e comecei a campanha para ganhar uma
prancha. Tive de ficar "gaivotando", fazendo uso de pranchas
perdidas, até a Páscoa de 69, quando finalmente ganhei um pranchão Glaspac MK 3.
Talvez eu tenha sido um dos mais ecléticos da turma, me envolvi com surf
produzindo o quadro Surf Special, na TV Bandeirantes, fui convidado para ser
editor da Fluir, depois me tornei sócio da Hardcore, fui trabalhar no marketing
da Quiksilver, abri uma surf shop e agora estou de volta as raízes do
jornalismo de surf, minha maior paixão.
Atrás
do Vila Rica, completando o Conjunto Brasil Colonial, ficam os grandes prédios
gêmeos, Ouro Preto e Sabará, lá morava Daniel Setton, outro dos fundadores da
Lightning Bolt, um dos primeiros a fazer calções de surf de forma independente.
Hoje Dany Boi, vive em Floripa, é um dos reis dos bonés em esfera nacional, o
cara conhece o ramo como poucos. Dany foi instrumental na formação da Abrasp.
Na
mesma quadra na qual antigamente ficava o complexo do Grande Hotel, do outro
lado da Passagem Caminho do Mar, fica o Edifício Samambaia. Às vezes me via
gritando (100 metros de distância), dos terraços dos prédios, mostrando séries
e instigando para uma queda, meu pilhado amigo Raphael Levy, mais conhecido
como Fico. No Samambaia tinha uma boa turma de surfistas, Silvio Lee, Monstrão
e mais uma galera que sempre se hospedava com eles. Falando em hospedar,
descendo a praia chegamos a um dos mais antigos prédios da praia, o Edifício
Guarujá. No térreo a choperia Terraço Atlântico (hoje uma Mega Store da Rip
Curl). Lá os irmãos Claudinho Celso e Augusto Pieroni, hospedaram inúmeros
amigos nas temporadas de verão: Celsinho da Wagon, o excelente surfista Renatinho
Aranha, Alírio, Lucha Figliolia, os irmãos Mariola e Burú Cordeiro e muitos
outros.
MONDUBA
Na
maioria dos lugares as ruas de frente para a praia dão nome aos picos. Em
Pitangueiras desde cedo, quando perguntávamos aonde alguém havia caído, usávamos
os nomes dos prédios. O mais célebre deles, que virou um dos picos mais
tradicionais, é o Monduba, bem no meio do caminho entre a Ilha e o Canal. O
Edifício Monduba é um dos mais baixinhos e antigos da praia. Lá ficam os irmãos
Curi, adeptos do ramo de importações, seguindo os passos do pai: Plínio, entre
outros produtos (já teve exclusividade de importação das roupas de borracha
O'Neill e dos óculos Style Eyes - na época em que Shaun Tomson fazia estilo com
eles) é responsável pelos relógios Shark, skates Sector 9 e pelos acessórios On
a Mission, passando boa parte do ano nos EUA. Seu irmão Sandro, prefere tomar o
rumo do oriente, mora no Guarujá, crowdeia o Monduba diariamente e toca a
Kembali, trabalhando com exclusividades vindas da Ásia.
Praia
abaixo alguns prédios gêmeos como Icanhema e Monguatá, neste último
hospedava-se a família Tenucci, Sidão e seu irmão, grande músico, Datcha. Num
dos sótãos da garagem deste edifício nasceu a fábrica de pranchas Green Room,
com os shapes e laminações alquimistas à cargo de Sidão e Zé Roberto Rangel,
que logo perceberam que o ramo deles era outro. O prédio vizinho, o grande
Edifício branco, o Alvorada, durante um tempo hospedou um grupo de gringos que
se entrosou com a turma, Justin, Steve e Mark Lund, que ficava num outro prédio
mais para trás, hoje Mark toca a rede de franquias Le Moussier e o Bar Legends,
em Maresias.
Um
dos caçulas da geração de empresários das 'Pitangas', que sempre utilizou seu
apartamento no Alvorada como celeiro para novos e grandes talentos da região, é
Kemmel Addas Neto, mais conhecido como Nê. Ele começou com a Body Glove no
Brasil, depois lançou a Mandingo, que mais tarde virou Dingo. Hoje Nê é um dos
estilistas de surfwear mais experientes do ramo, trabalhando na Wagon.
Na
quadra seguinte outros prédios gêmeos são o Conde e Tucuruçutuba,
patrioticamente verde e amarelos, perdi a conta de quantos bancos de areia de
direitas perfeitas alinhei em frente a estes dois prédios. Lá ficavam os
brothers Von Sydow, o goofy Dodo, big rider de carteirinha, foi parar no
Hawaii, primeiro tocando a loja Linden Hawaii e agora no ramo de captação de
energia solar. Instalando estes sistemas, ele rodeia a ilha de Oahu, sempre
atrás das melhores ondas. O irmão mais velho é o falante e flamboyant Christian,
crowd de um homem só, quando entra no seu querido Canto do Moreira. Christian
também tem uma carteira corrida longa na surfwear brasileira, começou como
representante da Mormaii em São Paulo, depois abriu sua marca, a Fitness, mexeu
com a Linden, Counter Culture, Raisins, Select, Strong Current... Não vou
conseguir lembrar tudo que o cara fez, mas sem dúvida é um dos maiores experts
do ramo e quando ele se empolga é bom sair da reta.
BIG
RIDERS DO GUARÚ
Nessa
mesma quadra fica o majestoso Edifício Vila Pinhal, durante muitos anos era o
único que passava a barreira dos 16 andares. No décimo nono, Taiu checa o mar
diariamente passando as condições do mar em seu site para os internautas. Taiu,
Jorginho Pacelli, Sylvinho Mancusi, Tarzanzinho eram garotos que, desde cedo,
eu percebia que tinham o faro de big rider. Um dia me lembro de acordar de
manhã bem cedinho, o mar estava enorme, ninguém na água. Olhei de meu apê, em
frente a Ilha e percebi que as ondas mais surfáveis estavam ali na região do
Canal, uns direitões sarados. Entrei pela ilha e vim remando, meio cabreiro de
cair num mar daqueles sozinho. Quando me aproximei de onde abriam as direitas,
apareceu um cara varando o quebra-coco na raça, sem nem dar a volta pelas
Astúrias. Era Taiu, não devia ter nem uns 15 anos nessa época, mas já tinha o
gosto pelas grandes. Surfamos sozinhos, altas, por um bom tempo, até que
aparecesse mais alguém lá fora.
Na
última quadra antes do Canal, os edifícios Capri, Bertioga, Estoril, Tocantins
e Esmeralda hospedam uma constelação de grandes surfistas das primeiras
gerações de Pitangueiras. Sergião Sachs, vice-presidente de empresa do ramo de
auto-peças, talvez o mais viajado de todos, conhece os cinco cantos do mundo,
desbravei Nias com ele há mais de duas décadas. Junto de seu inseparável amigo
Alain, passou por roubadas em Saquarema e momentos de descobertas, como a do
Guaiúba, surfado grande e clássico pela primeira vez. Histórico!!! No Bertioga
vive talvez o maior talento nato de toda história do Guarujá, Egas Atanázio foi
um dos mentores de surfistas como Paulo Tendas e todas as primeiras gerações do
Guarujá. Além de um estilo apuradíssimo Egas usava sua cabeleira loira, até os
ombros, para dar um flair especial às suas manobras. Adepto da escola
californiana de estilo clássico, trocava de base com uma destreza ímpar. Nunca
perdia a composição sobre a prancha.
Essa
região do Canal era a base de figuras de diversos estilos. Edgard Amaral, o
Adê, sufista rápido, tube rider, vive entre Bali e suas propriedade na Guarda
do Embaú, depois que uma misteriosa tia milionária faleceu, virou especulador
na bolsa (usando seu background de formado na FGV), nunca mais trabalhou
convencionalmente. Surfou e surfa muito. Os irmãos eram muitos Mané e Quincas
Rebello; os Blumenthal, Roberto (Blu) e Ronaldo "Micro", da Spy
Sunglasses; os irmãos Lagnado, Karl e Alfio. Carli é um dos maiores
especialistas em bordados do ramo e Alfio dispensa comentários, sua história é
o retrato do êxito que um trabalho, iniciado com apoio dos pais, aliado a
competência e feeling, pode gerar ao longo dos anos. A história vem logo
abaixo. Pahoa, Waltinho, Serginho Ricardi, Paulinho Esmeralda. Já na última
quadra, no Edifício Piavú, fica o shaper e baterista Britão (sócio de Thyola
nas pranchas Moby - antes da Lightning Bolt), que se jogou para a Pipa, depois
para Itacaré. Finalizando Pitangueiras com os irmãos Brandi, Xan e Murilo,
locais do Sobre as Ondas, deixando de lado um número incontável de personagens
e passagens pitorescas desta história de uma geração de surfistas, que talvez
ainda mereça um livro.
TURMA
DE RESPEITO
Quando
a primeira geração de surfistas do Guarujá se cristalizou, havia apenas um
único prédio na praia das Astúrias, o Edifício Tendas, mas esse prédio
hospedava a chamada turma das Astúrias, um punhado de surfistas de alto
calibre. A começar por Roberto Teixeira, o primeiro grande big rider do
Guarujá, hoje Pro-reitor da Unicamp. O fato de morar em Campinas não afastou
Teixa do surf. Seu estilo apurado, e técnica perfeita ainda o farão brilhar entre
os Legends de pranchão, arte que domina com a classe habitual de sempre. Seus
vizinhos eram Marceló Fló, o Magoo, primeiro advogado da Abrasp. Os
desaparecidos dessa turma eram o competente colega de Teixa nos mares grandes,
o cabeludo Luís Melo, mais conhecido como "Loira Sádica", com sua
Dick Brewer 8'2". Outro loirinho, baixinho e irado, o Této e o grande
Chicão. Mas o maior de todos os surfistas dali incorporou o nome do prédio ao
seu.
Paulo
Tendas foi talvez o primeiro surfista do Guarujá a ganhar notoriedade (foi o
primeiro paulista a vencer um evento nacional - em Itajaí) e também um dos
primeiros brasileiros a aparecer nas revistas Surfer e Surfing com maior
destaque. Paulinho era o pulmão comercial da Revista Surfer, na sua versão em
português e surfava muito até o seu trágico falecimento, esfaqueado pelo
próprio irmão, no início dos anos 90. A praia das Astúrias e os prédios que
ficavam para trás ainda hospedaram o início da trajetória de outros personagens
fundamentais para a história da surfwear brasileira. O Tucano, fundador das
lojas Star Point e Ermínio, da Sundek, deram seus primeiros passos no surf na
praia das Astúrias, no início dos anos 70. Nas ruas de trás do Guarujá, nas
praias da Enseada e Pernambuco, outro grande contingente de futuros empresários
de sucesso floresceu. Os irmãos Lumbra, Roni e Ricardo Fincato, começaram com
projeções de filmes de surf. Suas sessões performáticas no auditório da GV, em
São Paulo, eram antológicas, balões voando, perucas prateadas e as Lumbretes deixavam
a galera em delírio, no ponto para assistir cenas iradas na tela, numa época
pré vídeos de surf.
Da
praia de Pernambuco veio outro grande fabricante de pranchas, Paulo Ribeiro, o
Xanadú, que mudou para os EUA há mais de uma década. Alex Von Gerichten, o big
rider Alemão de Pernambuco. Na Enseada ficavam Carlinhos Motta, os irmãos
Andreatta, Xan e Romeu, que junto com Brunão, Grilo e Claujones, também
frequentadores do Guarujá, fundaram a Fluir. Maurício Moreira da Hardcore
começou surfando lá, bem como outras pessoas da mídia, Luís "Feio"
Sala, precursor com programas de surf nas ondas do rádio, Paulo Lima e Califa,
da Trip. Todos começaram nas ondas de Pitangueiras e beiram os 40 anos. Dentro
de todo este contexto, pinçamos oito empresas embrionárias, com mais de 20 anos
de atividade, contando a história delas procuraremos traçar o perfil desta
geração de marcas que foram a catapulta que alavancou o Circuito Brasileiro de
Surf e a consequente profissionalização do surf, não só como esporte, mas
também empresarialmente.
LIGHTNING
BOLT - UM RAIO - O ESTOPIM DE TUDO
Me
lembro que quando comecei a surfar, no final dos anos 60 e até no início dos
anos 70, usava bermudas de helanca (tipo uma lycra bem mais grossa), compradas
em lojas de esporte. Passados alguns anos descolávamos alguém que fosse para os
EUA, para trazer umas surf trunks gringas pra gente. Era o máximo. Nas
primeiras Brasil Surf, em 75, ainda eram muito raros os anúncios de surfwear,
os anunciantes eram mais fabricantes de pranchas. Nas últimas edições (em 1978)
já apareciam os Calções Tico (Cavalcanti), produzidos no Rio, mas estamas
falando dos empresários da turma do Guarujá. A surfwear estava engatinhando,
mesmo lá fora. As roupas mais cobiçadas eram as Hang Ten, Jantzen, Birdwell e
marcas que surgiram um pouco depois como a Katin e a OP. Empresas como O'Neill
e Rip Curl, produziam, única e exclusivamente roupas de borracha.
Como
a história comprova, os grandes ídolos do esporte, especificamente o que eles
usam, sempre foi uma das maiores alavancas de marketing. No início dos anos 70,
um personagem específico, era uma unanimidade da envergadura do que é um Kelly
Slater hoje: Gerry Lopez. Lopez era sócio da Lightning Bolt, mais famosa por
suas pranchas, mas a surfwear veio a reboque e todos queriam usar qualquer
coisa que tivesse um raio. Me lembro como se fosse ontem, o ano era 1974,
apareceu um gringo no Guarujá. Seu nome: Mark Jackola, ele shapeava pranchas
junto com Lopez e veio parar no Brasil como representante da marca. Voltou
vários anos para cá, morou temporadas inteiras, trabalhando com o Thyola,
cheguei a ter várias pranchas dele, muito boas por sinal. Mas nossa história
gira em torno da surfwear e não das pranchas, então aí vai um episódio
inesquecível.
Numa
de suas idas e vindas do Hawaii, Jackola trouxe na bagagem um pack de camisetas
Lightning Bolt. Estávamos, um grupo da galera das antigas do Guarú, no
apartamento do Dany Boi, no Conjunto Brasil Colonial. Mark colocou umas 20
camisetas sobre uma mesa e no típico estilo representante, com seu mostruário,
começou a mostrar as estampas. Uma a uma. Fiquei vidrado numa que era a imagem
de Lopez naquela famosa batida no Ala Moana Bowl, que foi capa e pôster da
Surfer. Foi minha primeira camiseta de surf. Antes de tudo Thyola começou a
produzir pranchas, com shapes do Jackola, deixando de lado a tradicional Moby
Surfboards, com shapes do Britão, que vinha desde 69. A primeira marca de
surfwear registrada foi a própria Lightning
Bolt, em 7/7/77. Os sócios originais eram Madinho, irmão de Thyola, Fernando "Chivas" Rego, seu irmão
Zezinho, o caçula da turma, que começou lixando pranchas na fábrica do
Thyola, Dany Boi e Santinho, que cuidava da produção. Dany, que vira e mexe se
jogava para Imbituba, fez uns ensaios anteriores produzindo bermudas com a
marca Nazimbi. O próprio Sidão, que mais tarde montou a OP, começou produzindo
os acessórios (cordinhas), com a marca Lightning Bolt.
Com
o passar dos anos Dany foi morar no Sul. Zé Roberto foi para a Primo e depois
abriu a Town & Country, em sociedade com Celso, que viria a formar a Wagon.
A marca Lightning Bolt acabou ficando na mão da família Rego. Mais tarde Zezinho
e Fernando, se juntaram à sócia Lita, esposa de Fernando Chivas. Em 82 eles começaram a
produzir a Quiksilver, marca que mantiveram o licenciamento até 96. Quando
voltaram novamente o foco para a Lightning Bolt, pois ela tinha sido deixada em
segundo plano por força do contrato com a Quiksilver. No início da surfwear
nacional as bermudas Lightning eram as mais cobiçadas, eles montaram a primeira
fábrica para produção de bermudas de surf em grande escala, com fileiras de
costureiras trabalhando e máquinas especiais para dar qualidade aos surf
trunks.
Nos
anos 80 o surf começou a crescer e se estruturar, Zezinho e Fernando sempre
tiveram a visão de que uma equipe de surf era um instrumento de marketing
importantíssimo. Chegaram a ter quase 20 atletas, entre surfistas consagrados,
promessas e veteranos. A Lightning Bolt foi a primeira empresa a colocar
barraca na praia durante os eventos, chegou a ter uma barraca de dois andares.
Outro investimento pioneiro foi no Circuito Junior e Mirim em São Paulo. O
circuito se transformou no maior celeiro de novos atletas. Em 87, quando
iniciou o Circuito Brasileiro de Surf Profissional, com a criação da Abrasp, a
Lightning Bolt era uma das cinco marcas que participou com um evento no
histórico circuito de abertura da Abrasp.
VIAGENS
DE SONHO
Essas
cinco marcas cresciam juntas e naquele ano de 87 formaram a base de sustentação
do surf profissional brasileiro. No meio dos anos 90, a Revista Trip, visando
comemorar seu décimo aniversário de publicação organizou uma viagem especial.
Acompanhados pelo fotógrafo Roberto Price e pelo jornalista, Fernando Costa
Netto, foram cinco empresários, surfistas que começaram pegando onda no
Guarujá, amigos de infância. Cada um deles levou um patrocinado. Representando
a Lightining Bolt foram Zezinho e Picuruta, Fico levou Kias de Souza, a OP teve
Sidão, ao lado de David Husadel, Ermínio, da Sundek, levou Tinguinha e
completando a turma de precursores da Abrasp, Zé Roberto da Town & Country
e Amaro Matos.
Zezinho
lembra desta viagem para a Costa Rica: "Foi uma das melhores coisas que a
gente foi agraciado por fazer parte desse mercado. Juntaram cinco empresários,
que na verdade eram cinco amigos e cinco atletas, que além de atletas
profissionais, todos também eram amigos. Éramos os fundadores do Circuito
Brasileiro e com uma grande vantagem, a gente se conhecia já há muito tempo. Na
realidade a gente voltou como se fosse uma máquina do tempo, parecia que
tínhamos 17 anos. Aquilo serviu para mostrar que quem está no mar e pega onda,
é uma coisa que não tem idade, o fato de você estar se sentindo bem, com os
profissionais ao seu lado surfando e você estar ali no meio. É uma coisa que se
torna inesquecível, porque as lembranças, as brincadeiras, tudo... A gente
parecia moleque. No primeiro mar caímos só eu o Sidão e o Dandão, que escreveu
a matéria, foi um mar de 6 pés, em Salsa Brava, já estava lá o fotógrafo
Roberto Price. Os profissionais ainda não haviam chegado. Altas ondas. Depois
pegamos em Playa Negra, Tamarindo, Avellanas. O mais gostoso era a confraternização,
viajamos em três carros grandes, a gente chamava de camburão. Fizemos rafting
nas corredeiras. Foi demais."
COMEMORAÇÃO
EXAGERADA
Essa
amizade entre atletas e patrocinadores, feita dentro d'água, é uma das coisas
mais especiais que o surf pode proporcionar. Quando as equipes se encontravam
nos campeonatos, não eram só disputas para ver quem era o melhor na água, a
festa rolava antes, durante e principalmente depois dos eventos. Zezinho
lembra: "Em campeonatos nossa equipe sempre deu um retorno muito bom. O
Almir chegou a ser pentacampeão paulista, o Picuruta sempre teve destaque
nacional e internacional também, em J-Bay e outros lugares. Mas os campeonatos
no Brasil que geravam situações bem pitorescas. O pessoal era bem agitado,
juntava o Picuruta, o Almir e o pessoal do Canal 1 e eles faziam literalmente
tremer a praia. Tem várias passagens, mas os campeonatos em que as comemorações
eram as mais festivas, foram em Ubatuba, lá juntava toda galera de São Paulo. E
a gente tinha como grande amigo, o Zé Roberto, da Town & Country, que
também tinha uma equipe muito boa. Hoje o Zé deve estar lá no céu, pegando
altas ondas. Ele patrocinava os irmãos Matos, do Tombo. Então eram duas equipes
patrocinando irmãos e eu, meu irmão e o Zé éramos como irmãos, por causa de
nossa amizade de longa data. As duas equipes se deram bem nesse campeonato e
nos juntamos a um pessoal da imprensa, mais alguns convidados e fomos comemorar
na Pizzaria Perequim, a gente lotou praticamente o restaurante inteiro. E aí
começamos a comer, beber cerveja, aquela coisa normal de comemoração, um
tirando uma com a cara do outro. Daí chegou um bolo que nós havíamos encomendado
e o Picuruta, sempre ele, começa a fazer guerra de bolo. Da guerra de bolo o
negócio foi evoluindo, começou a voar pizza. Ou seja, virou um pandemônio
total, até que alguém achou um esguicho que também entrou na roda, ligaram a
água e o dono do restaurante não acreditava no que estava acontecendo. A sorte
é que os outros clientes que estavam no restaurante entenderam o espírito da
brincadeira, perceberam que todos estavam alegres, felizes, comemorando... Não
era um negócio de briga, era mais zoação mesmo. Depois conseguimos contornar
com o dono do restaurante, pagamos a conta toda, que era boa e a água ajudou
até a lavar a sujeirada, que a gente tinha feito. Apesar de sermos do Guarujá,
Ubatuba é um lugar que temos muito carinho e sempre tivemos boas recordações e
grandes amigos." Zezinho finaliza, lembrando uma peixada pra 40, no
restaurante do legendário local Olavinho, "tivemos de botar mesas na rua.
Olavinho é um mestre das peixadas."
SURGE
UM GIGANTE
No
dia 30 de outubro de 79, em frente ao Ginásio do Ibirapuera, a nata do surf do
Guarujá se reuniu em uma lojinha de rua. Estava sendo lançada a marca OP, Ocean Pacific, capitaneada pelo
carismático Sidney Luiz Tenucci.
Rola por aí uma lenda de que a OP começou quando Datcha, o irmão do Sidão, fez
uma fezinha na loteca e se deu bem, uma parte do bolo foi o que impulsionou a
OP, Sidão desmistifica essa conversa: "Não é nada disso, esse prêmio nem
foi lá tudo isso e quando a família ganhou a OP já estava rolando. O fato é que
a realidade era outra. A OP começou com um investimento de US$ 5.000,
devagarinho e foi crescendo. A bolada gerou só uma injetada de capital na
empresa. O que ocorreu no início é que eu sempre gostei de viajar, viajava pelo
mundo e chegou uma hora que meu pai cortou a verba. Mas eu queria continuar me
virando e viajando. Eu estudava jornalismo, analisei, pensei e cheguei a
conclusão que se seguisse essa carreira ia demorar para fazer uma grana e ir
viajar. Tinha pressa de pegar onda. Daí pintou essa loja na Av. Manoel da Nóbrega."
Mas
Sidão, por que a OP cresceu daquele jeito? "Foi uma contingência do
próprio crescimento do mercado, procuramos fazer produtos que não existiam, com
um conceito, lançados no mercado de forma inteligente. Produtos que tinham todo
um cuidado especial de originalidade de criação e muita qualidade. Importante
também foi ter a ousadia de fazer coisas que não existiam." Sidão sempre
teve muito feeling e viajava pelo mundo de antenas ligadas. Por exemplo, quando
foi lançada a calça Bali, ela não existia aqui no Brasil. Sidão foi surfar na
Indonésia, e percebeu que aquele tipo de roupa tinha tudo a ver com o Brasil (e
com ele, pois o cara usa esse estilo de calça até hoje), trouxe para cá, lançou
e o produto estourou.
Mas
a grande tacada de mestre da OP foi saber gerar os recursos e encontrar o
equilíbrio no tripé básico que sustenta qualquer marca de surfwear: a) investir
na mídia - Sidão tinha os anúncios mais bem posicionados nas revistas de surf
durante sua fase áurea; b) fazer eventos - o OP Pro era uma lenda, um
campeonato que se transformou em algo antológico logo em sua primeira versão
(85 na Joaca); c) equipe - me lembro do último Festival Luau Lightning Bolt
(acho que rolou até um patrocínio da Primo), na praia do Pernambuco, no
Guarujá. Nas semifinais e finais, em baterias homem a homem, os irmãos Totó e
Taiu Bueno X Christian e Dodo Von Sydow, foi um de cada família pra final, só
que os quatro eram patrocinados pela OP. As lojas em Shoppings chegaram às
dezenas, as vendas se multiplicavam nos anos 80. Investimentos de marketing
eram polpudos. As vezes até exagerados demais.
Loucuras
de marketing eram possíveis naquela época, algumas acabavam não dando certo,
mas nem abalavam o crescimento da OP. Sidão continuava com o pé na tábua,
ditando o comportamento do mercado. Inventando novidades levando o OP Pro pra
lá e pra cá. O que Sidão ainda não conseguiu, ao contrário de todos seus
colegas, foi acertar um acordo com a matiz da marca nos EUA. Mas Sidão é um
cara tenaz e continua tentando costurar isso até hoje. Ele ressalta: "Hoje
existe uma tendência retrô na moda, uma coisa meio cult e dentro dessa
filosofia a OP está tendo um ressurgimento no mundo inteiro, aqui isso também
vai ocorrer". O poder criativo de Sidão continua mais apurado que nunca,
inclusive sua veia jornalística, basta pegar um texto recente de Tenucci para
perceber isso e como a vida realmente começa aos 50, vamos pagar para ver as
próximas peripécias do Sidão.
UM
GRANDE PONTO DE INTERROGAÇÃO?
Caso
José Roberto Rangel não tivesse
trombado com aquele poste na Marginal Pinheiros, no meio dos anos 90 e ainda
estivesse aqui entre nós, o que teria sido da Town & Country? Como um maestro regendo uma orquestra com vigor
e carisma, Zé Roberto levou a empresa por tempestades e mares clássicos. Foi um
dos primeiros a trazer o detentor da marca no exterior, Craig Shugihara, para
sentar na mesa e acertar os ponteiros, pagar royalties, tirar proveito da
projeção da marca e retribuir com a criatividade brasileira e o peso de nosso
mercado na esfera internacional. O trabalho de Zé à frente da T&C foi
brilhante, não impecável, mas indiscutivelmente brilhante. Não que o trabalho
da Mecanótica, atual detentora do licenciamento da marca não seja altamente
profissional e tenha profissionais de ponta em sua equipe, dentro e fora
d'água. Mas o trabalho da fase áurea da marca teve várias facetas marcantes.
A
mais gritante delas era a forma com "Zuzo Bem" tratava sua equipe.
Quando foi inaugurado o Circuito Abrasp, a T&C, sabiamente, optou por
hospedar seu evento em Saquarema, o Maracanã do surf e foi lá que Paulo Matos
sagrou-se o primeiro campeão da nova era, de circuitos com várias etapas, numa
final histórica, vencida por Fred d'Orey. Os irmãos Matos: Neno, Paulo e Amaro
do Tombo ficaram entre os seis primeiros num dos circuito da Abrasp, todos os
três, para eles bastava Top 6, não precisava ser Top 16. E todos os três eram
tratados como filhos, por Zé e sua equipe, os irmãos Fukuda, Tico, Denise sua
esposa. O relacionamento patrocinador patrocinado da empresa, foi uma coisa que
transcendeu uma relação clássica dessa natureza e mesmo em épocas difíceis
manteve a fidelidade dos irmãos para com a marca.
A
história de Zé Roberto, sua ligação com a fase embrionária da indústria do
surfwear paulista é talvez a mais curiosa. Quando foi fundada a Lightning Bolt,
em 77, ele estava lá, era um dos donos. Depois Zé se associou a Paulinho
"Pisca-Pisca", para formar a Primo, uma das grandes marcas no início
dos anos 80. Na Primo trabalhava com eles o Celso Medeiros, da Wagon. Zé sai da
Primo para abrir a Town & Country, com Celsinho. Todas essas empresas
começaram na legendária propriedade das Antenas Rangel, do pai de Zé, na Rua
Guararapes, no Bairro do Brooklin, Zona Sul de São Paulo. A sociedade entre
Celsinho e Zé não durou muito. Celsinho lembra: "Na Primo eu trabalhava
com desenvolvimento de produtos e vendas, lá para 81\82 nos separamos do Pisk e
abrimos a T&C, só que o Zé era totalmente pé na tábua, e eu sempre fiz o
estilo mais pé no chão. No final não deu certo eu parti para a Wagon e deixei a
Town & Country com ele. A marca estava registrada em minha empresa, a
Colorado, mas apesar de termos nos desentendido, eu poderia ter ficado com a
marca, mas decidi partir para outra". Zé Roberto colecionou sócios em sua
trajetória com a T&C, depois de Celso vieram o balonista Leonel, seu sogro,
pai de Denise, sua cunhada Bia, Marcelo Fukuda, Tico, mas sempre sua batuta
esteve no comando, problemas surgiam, mas sempre ficava 'zuzo bem'! E no final
do expediente quem estava na sede brindava com um whisky escocês.
O
SOL DE UBATUBA
Muitos
podem pensar que Ermínio Nadin, por
toda sua ligação com Ubatuba e inclusive hoje estar residindo em Ubatuba, ele
começou a surfar lá, mas não. Ermínio foi mais um surfista\empresário que se
iniciou no Guarujá. Ermínio talvez seja o mais antigo de todos eles, não com a Sundek, marca que ganhou uma
notoriedade incrível ao realizar os eventos mais importantes que Itamambuca já
sediou, mas com sua primeira marca, a Tangerina, que teve anúncios até na Brasil
Surf. Criada em 1973 a Tangerina é uma das mais antigas marcas de surfwear do
Brasil, como a Man Surf e Twin, em Santos, e a Magno e Waimea precursoras do Rio. Mas a
Tangerina acabou e a Sundek foi registrada e iniciou suas atividades no Brasil
em 82.
O
que catapultou a marca de forma colossal foi a realização dos eventos Sundek
Classic, em Itamambuca. Em 86 Picuruta venceu com uma performance histórica, em
ondas de muita qualidade na boca do rio. Em 87 foi a etapa central do primeiro
circuito da Abrasp, depois do OP Pro em Floripa, do Lightning Bolt, nas
Pitangueiras, e antes do Fico na Bahia e do Town & Country em Itaúna. Mas o
marco entre os eventos da Sundek, foi o internacional, realizado em 88. Estavam
em Ubatuba nomes como o campeão mundial da época, Damien Hardman, o campeão
mundial de longboard Nat Young, viajando pela primeira vez para o Brasil e
admirando nosso potencial, cantando a bola em entrevista, de que uma grande
nação mundial do surf estava para emergir. Robbie Page, Rob Bain, Vetea David,
Richie Collins, além de Teco e Fabinho estreando no ASP World Tour, fizeram do
evento o maior espetáculo e o mais crowdeado até hoje em Itamambuca. Uma enorme
arquibancada na praia ficou lotada, as ondas não negaram fogo e o surf foi de
cair o queixo.
O
investimento em equipe também foi violento, no ano de 91 foram três campeões na
equipe; Tinguinha na Abrasp, Márcio Okumura na Abrasa e Douglas Lima venceu o
paulista pro. Ermínio explica qual a estratégia utilizada: "Sempre fui
partidário de executar ações de marketing fortes. Focalizava os esforços em
publicidade, eventos, atletas e festas. Nos eventos de Ubatuba organizei luaus
na praia, que foram um grande sucesso. Fazia muitas festas mostrando as novas
coleções, em vários estados do Brasil. No Sundek Classic os concursos de bikini
eram de alto nível, com as garotas de Ubatuba. Mas a situação econômica do país
naquela época era totalmente diferente. Hoje estou trabalhando com um
licenciado em Santos, tenho equipe no Super Surf e as coleções criadas aqui no
Brasil são exportadas, dessa forma não preciso pagar royalties."
A
TACADA DE MESTRE
Em
nenhum outro caso ficou tão patente a importância dos investimentos corretos em
marketing, como no crescimento vertiginoso alcançado pela Hang Loose e o estopim
de tudo foi o Hang Loose Pro Contest. A empresa, que nasceu em 82, deu um salto
em 86, que não poderia ser imaginado, nem nos sonhos mais selvagens. Com a
palavra Alfio Lagnado: "Esse
evento foi uma irresponsabilidade, foi uma loucura para os padrões da época.
Quando a gente fechou e resolveu fazer o campeonato faltavam três meses. Se for
calcular como verba de marketing hoje, era uma loucura em relação ao
faturamento da empresa, mas era o Plano Cruzado, as vendas estavam boas, estava
tudo maravilhoso, a gente vivia numa ilusão louca. E a gente acelerou. E foi um
campeonato impecável em termos e organização, de astral e principalmente de
ondas, a gente tá aqui, 16 anos depois, crianças que começaram a surfar, que
tem hoje 14, 15 anos, usam como referência um campeonato que eles nem
assistiram, mas é tão falado, que foi o swell épico da Joaquina."
O
swell épico da Joaquina. Quantos anos se passaram e nenhum outro campeonato
ganhou a notoriedade deste. Talvez o Mormaii de 88, um dos antigos Festivais de
Saquarema nos anos 70. Não, nada disso, o mar que deu no Hang Loose de 86 era o
prenúncio de uma estrela que brilhou levando a Hang Loose a um crescimento sem
precedentes. Atropelando os concorrentes, com humildade, educação e perícia
empresarial. O que mais se nota, a medida que vai se conhecendo Alfio Lagnado,
é a facilidade e simplicidade com que ele resolve qualquer parada. Outro grande
segredo é se cercar de pessoas competentes, partindo da equipe de surfistas e
ressaltando sua equipe de marketing. Os irmãos Lumbra, Ronald e Ricardo, outros
da turminha das antigas do Guarujá, são obstinados perfeccionistas, criativos e
dedicados, ao extremo. Aí está um dos segredos da Hang Loose.
Outro
valor forte dentro da Hang Loose é o surf amador, Alfio explica: "Uma
coisa que a gente acha muito importante, não como retorno, mas na minha visão
toda empresa envolvida com o surf também deveria trabalhar as raízes, só assim
que conseguiremos alcançar o objetivo de ser uma potência. Já somos uma
potência, a terceira maior do mundo. Mas para sermos uma potência, que nem a
Austrália, nós temos que trabalhar a base, da mesma forma que eles trabalham os
Surf Clubes." Nesse contexto que a Hang Loose investe no Circuito Junior e
Mirim Amador Paulista, que é o circuito mais tradicional do surf amador,
herdado da Lightning Bolt.
Na
verdade a receita para uma surfwear de sucesso, não é nenhum segredo, o que
entra em cena são uma série de ingredientes, dosados com o timing certo e a
visão que é natural dos grandes empresários, repare no que Alfio diz: "Tem
várias ações que podemos fazer que são super interessantes, só que as ações
prioritárias para a Hang Loose são: evento, equipe e anúncios em revistas
especializadas. Se sobrar verba a gente faz outras ações. Mas essas são as
ações que considero fundamentais para uma empresa de surfwear ser autêntica. Se
não tiver isso não é uma empresa de surfwear e é nessa linha que a gente
trabalha. E também por essa tradição que a Hang Loose tá aí."
Exatamente
o que OP fazia em seus tempos áureos, o que as grandes marcas australianas
fazem numa escala mundial. Mas a Hang Loose é 100% brasileira e a atuação da
marca, com eventos como o Hang Loose Pro Contest, com a equipe, há mais de duas
décadas levando o símbolo da mãozinha para pódios e mais pódios ao redor do planeta,
todos estes fatos são passadas decisivas que ajudam na cristalização do surf
brasileiro como uma das grandes forças no cenário do surf internacional.
O
CANAL IDEAL PARA ESCOAR ESTES PRODUTOS
O
descendente grego Dimitrius Nassyrios,
fundador das Lojas Star Point,
começou a surfar também na praia das Astúrias, aos 14 anos, em 1974. Seu
habitat na Ilha de Santo Amaro era o Edifício São Carlos, que ficava na quadra
de trás do Tendas. A Star Point original, na Rua Iraí, 224 foi inaugurada no
dia 16/6/82. A princípio Tucano recebeu um convite do Jairo e do Tico, que
trabalhavam na OP, para abrir uma loja e começar a vender produtos de surf.
Tucano já tinha a veia do vendedor naturalmente, viajou de carro para o
Nordeste, antes de abrir a Star Point. Ele lembra: "Levava carteiras para
vender, aí parava num pico para surfar, fazia amizade com o pessoal, quando
saía do mar, abria o porta-malas do carro e vendia as carteiras." Depois
de estudar Engenharia por dois anos Tucano mudou de curso, para Educação Física,
foi nessa época que abriu a loja.
"Na
casa da Iraí meti a mão na massa literalmente" relata Tucano,
"reformamos tudo com prego e martelo na mão. Jairo ficou como meu sócio
durante um ano, o Tico por uns dois anos e meio, depois ele foi para a Town
& Country. O negócio começou a crescer, o pessoal passava lá e deixava as
pranchas usadas para vender. A loja virou um point de encontro para a galera.
Aos poucos ela foi sendo ajeitada, cada vez mais completa" O crescimento
acompanhou o mercado, no meio dos anos 80 Tucano chegou a coordenar quase 20
lojas. Além da Star Point, tinham 12 lojas Hot Line, 4 Ron Jon. Em frente a
Star Point original em Moema abriu uma loja chamada Surf In Rio, que só vendia
produtos e pranchas de marcas cariocas, o boom que rolou de 83 a 86 permitia
isso.
No
final dos anos 80 pintou uma oportunidade única, a de trabalhar a Rip Curl no
Brasil. Nessa época Tucano deixou a Star Point um pouco de lado e mergulhou na
área de confecção e importação de roupas de borracha. Isso durou até 97, quando
fez um acordo com Jackson, da Hawaiian Dreams e passou o licenciamento para
ele. Ainda ficou trabalhando dentro da estrutura por um tempo, mas quando bateu
uma luz, depois de analisar o resultado da enquete feita pela Revista Fluir,
que novamente elegia a Star Point, como a melhor loja de São Paulo, isso
ocorria por 16 anos seguidos, desde que a loja foi inaugurada. Tucano decidiu
dar um 'face-lift' na loja, reformou e modernizou todo o esquema da loja,
introduziu o conceito de corners para as marcas e preparou o campo para seu
projeto de franquias.
"Quando
voltei de corpo e alma para a Star Point, meu objetivo era formar a melhor e
maior rede de lojas do Brasil," - explica Tucano. "O esquema com as
franquias envolve toda uma passagem de know-how, existe um 'Conceito Star
Point', por trás de tudo, no qual o bom gosto deve ser um aspecto importante.
Envolve atendimento, arquitetura, definição das marcas que entram na loja. Todo
um posicionamento de mercado." O sucesso foi paulatino, com lojas sendo
abertas em shoppings, primeiro em São Paulo e agora abrindo os tentáculos por
outras praças do Brasil, levando toda essa ideologia de uma surf shop de
primeiro mundo. O número de lojas, que havia caído para uma única, a original
de Moema, já passa de uma dezena e a tendência é crescer.
Essa
busca por estar envolvido com o mundo do surf é uma das coisas que moveram
esses empresários do Guarujá. Viagens que geram idéias, como o Museu do Surf,
dentro da Star Point, trazido da Austrália e adaptado para o Brasil, uma
curiosidade a mais para os clientes. Tucano lembra de passagens interessantes:
"Sempre procurei patrocinar atletas. Na primeira viagem de Picuruta, para
a África do Sul, decidimos apoiar. O Gato tem mais ou menos a minha idade,
lembro de estar negociando com o pai do Picuruta, nós éramos praticamente
moleques naquela época. Outra coisa interessante aconteceu quando fechei a
primeira loja no Nordeste, foi pegando onda, com Lício e Junior, o papo surgiu
no outside, foi evoluindo no meio da session e assim abrimos a Hot Line."
UMA
MARCA EM EQUILÍBRIO
Celso Medeiros, 51 anos, um dos mais
experientes do ramo, resume bem o que passou com quase todos os empresários que
caíram para o ramo da surfwear. A Wagon
começou em 83, mas a marca já era do seu pai a longa data, produzindo calças
jeans, na Rua Joaquim Floriano. Depois Celso teve uma loja de esportes, que se
chamava Wagon Sports, na João Cachoeira. Quando deixou a sociedade com Zé
Roberto, na Town & Country, finalmente abriu a Wagon Surf Line. "A gente
começou brincando", conta Celsinho - "queríamos fazer alguma coisa
relacionada ao surf, pegamos parte de uma garagem, no fundo de um prédio.
Começamos a fazer umas camisetas com os desenhos maravilhosos do Fukuda. Ele
desenhava tudo na mão, porque naquela época não tinha computador, nem nada. Até
os textos eram feitos à mão. Íamos na malharia, comprávamos um rolo de malha,
cortava a peça, fazia 100 camisetas, uns dois, ou três desenhos e saía
vendendo. No começo foi no boca a boca, mas depois de um ano a Wagon cresceu de
um jeito que já tivemos que alugar um prédio, com umas dez pessoas trabalhando
e uma produção bem maior. Desde o início vinham muitas pessoas do interior. Até
recentemente, o movimento de venda do interior do estado, na pronta entrega,
era compatível com o movimento de toda cidade de São Paulo. Só que no começo
não tínhamos nem representante."
Celso
vai mais longe descrevendo o mercado: "Na década de 80 houve uma grande
evolução dos esportes. A Adidas teve o seu grande boom no Brasil no início dos
anos 80, com toda aquela febre de fazer um cooper e as primeiras academias que
surgiam. Houve paralelamente um boom muito grande das lojas de esportes como a
Procópio, Casa do Esportista, Sport Espada... Era o momento do esporte. Além
dos esportes normais, o windsurf cresceu, pistas de skate eram construídas. E o
surf começou a se solidificar. Campeonatos importantes, no Rio, como o Waimea
5000, os Festivais de Ubatuba. Tudo isso foi evoluindo. A OP alavancou o
mercado. A OP e a Lightning Bolt. A Lightning Bolt antes da OP. Surgiu aquele
maravilhoso calção curtinho, com um raio na frente. O grande astro era o Gerry
Lopez. A OP veio com a calça Bali e aquele colete sem manga. A 775 foi uma das
grandes precursoras em termos de loja. Dentro de todo este contexto a Wagon foi
uma das primeiras marcas."
Celso
reitera a opinião de Sidão: "Naquela época era mais fácil e não precisava
de muito dinheiro. Com pouco investimento você tinha retorno e começava a
crescer rapidamente. Hoje para entrar no mercado e aparecer com uma marca você
precisa ter, no mínimo uns 500 Mil dólares. E agora tem todas as marcas
internacionais que estão aqui. Portanto você tem que investir muito
dinheiro." Celsinho começou a surfar em 69, em Santos, com uma prancha
Glaspac MK 1, depois começou a frequentar o Guarujá, ficando em frente a Ilha,
no apê de Claudinho Pieroni. Apesar de ter uma das marcas genuinamente
nacionais do ramo, quando saiu da Town & Country, tentou registrar a Sundek
e a Local Motion, mas elas já haviam sido registradas. Acabou optando por
seguir com a marca do pai e tocou bala no registro da Wagon, mas provando o
ditado que diz, nada se cria, tudo se copia, o logo original da Wagon, o
"W", nada mais era do que o "M", das velas Mistral
(Celsinho curtia um windsurf na época), só que de cabeça para baixo. Um lindo
logo, original, uma marca forte.
Outra
aulinha de um dos mestres. "Na virada para os anos 90 começaram a ter
muitos campeonatos de surf" - continua Celso empolgado, "o bodyboard
também foi uma coisa que cresceu bastante. Como a Wagon não tinha como investir
em atletas profissionais, o que a Wagon fez? Para se mostrar na praia, com uma
equipe, contratamos cinco meninas bem bonitinhas, elas nem eram as melhores
dentro d'água, mas com certeza eram as melhores fora d'água. Quando a Wagon
chegava na praia com a equipe, criava um tumulto. Elas eram realmente
fantásticas. Isso foi uma coisa curiosa. Existem maneiras de fazer um
investimento, de forma regional, em que, devagar, é possível ir solidificando a
marca."
Hoje
Celso vendeu a empresa que era do seu pai desde 1959, a Colorado Ind. Com.
Ltda., a mesma que já fez jeans e já foi a titular da marca Town & Country,
no Brasil. Ele arrendou a marca Wagon para a empresa, a equipe é a mesma que
ele formou, mas Celso é o dono da marca e dá consultoria diariamente, mas as
melhores lembranças que tem vem do surf mesmo. "Em 95 foi uma época em que
estávamos investindo no longboard", dessa Celsinho participou -
"tínhamos uma equipe com Neco Carbone, Cisco, Rafael Sobral, Dragão,
Maurício Kramer. Uma das melhores lembranças que tenho da minha vida foi a
viagem que fizemos com a revista Hardcore, o fotógrafo Marcelo Pretto e a
equipe de longboard, para a Costa Rica. Fizemos uma viagem alucinante. Acabou
dando uma matéria de 10 páginas. Isso é uma maneira de você determinar uma
verba da empresa, se divertindo, fazendo o que você gosta e divulgando a marca.
Unindo o útil ao agradável."
A
MARCA E A PESSOA SE FUNDEM
Raphael Levy, popularmente conhecido
como Fico, junto com Alfio é um dos
caçulas desta geração dourada, forjada nas ondas das Pitangueiras. Começou a
pegar ondas com uma prancha de Isopor. Em 72 ganhou sua primeira prancha de
verdade, feita pelo lendário Cocó. Um tempo depois, Fico foi amadurecendo e
decidiu morar no Guarujá, fazia um ritual, que vários de nós, garotos, éramos
condicionados: as três sessões de surf dominadas pela toalha vermelha. Fico
conta: "Acordava as seis da manhã e ia surfar, as 10 horas ficava pronto o
café da manhã e a empregada colocava uma toalha vermelha na sacada do terraço.
Este era o aviso para subir. Voltava para o mar e na hora do almoço, lá estava
ela, a toalha vermelha de novo. Fazia a digestão e surfava até escurecer".
Nessa
época Fico pegou o trabalho de representante da OP para o litoral. Vendia nas
lojas Roni Surf, em Santos, na Twin. Mas um dos melhores pontos de venda para
Fico era a saída da Faculdade Santa Cecília, lá Fico levava todo mostruário da
OP e vendia direto ao consumidor. Chegava para acertar com o Sidão, com uma
bolada de grana, ele nem acreditava. Isso durou de 80 a 82. "Quando voltei
para São Paulo" - Fico comenta, "o Sidão me convidou para ser o
gerente de sua loja no Shopping Morumbi. Mas acabei não pegando, foi logo em
seguida que comecei a produzir as famosas carteiras com tecido emborrachado,
uma novidade no mercado. Começamos com 100 peças, mas não demorou muito, devido
ao sucesso do novo produto, já estávamos fabricando lotes de 1000 peças, fazia
na fábrica da mãe do Alfio. Sidão foi o nosso grande professor."
Logo,
Fico começou a vender as carteiras com a sua marca. Criou aquele clássico logo
do surfista dando uma virada, com o arco-íris de fundo. A primeira loja da Fico
era no próprio apartamento em Sampa. "Em 83, no ano que minha empresa
nasceu" - Fico usou uma estratégia diferente, "enquanto todos estavam
preocupados com o mercado do Sul, me voltei para o Nordeste. Fiz uma viagem de
São Paulo até Fortaleza, com o carro lotado de mercadorias. Levou um mês e
meio. Eu tinha um Gol vermelho, botei a prancha na capota e fui parando pelas
praias do Nordeste, vendendo carteiras e mochilas." Por isso que Fico
sempre teve essa ligação forte com o Nordeste do Brasil e quando o Circuito
Abrasp foi inaugurado escolheu a Bahia como sede do primeiro Fico Surf
Festival. Na verdade Fico já tinha entrado como patrocinador nos eventos
organizados por Paulo Issa, em Ubatuba, nos anos de 84 e 85. Em 86 Fico
patrocinou o primeiro Circuito da APS (Associação Profissional de Surf) do
Estado de São Paulo.
Para
finalizar Fico relembra um momento marcante para ele e todos que participaram,
daquela famosa viagem para a Costa Rica, que reuniu os empresários fundadores
do Circuito Brasileiro e seus atletas (ver depoimento de Zezinho): "Logo
que chegamos pegamos os carros, amarramos quinze pranchas nas capotas e
descemos de San José para Salsa Brava. Mas o que foi mais pitoresco foi um dia,
na região de Salsa, que paramos num restaurante de frente para o mar, pedimos
umas cervejas Imperial e lagostas. Mandamos os atletas pra água e ficamos
julgando um campeonato ali da sombra. Comendo lagostas e anotando as notas no
guardanapo. Dávamos muita risada".
MAIS
ESPECIAL QUE ISSO NÃO DÁ
Esse
depoimento de Fico, que deixei para o final, reflete bem os ingredientes
especiais que essa turma de amigos, que desapercebidamente e sem muitas
intenções, forjaram a base do surf profissional brasileiro, criando uma
estrutura, que seguiu os moldes das grandes marcas mundiais, mas com um tempero
todo brasileiro, mais especificamente do Guarujá. Se você teve paciência para
ler a matéria inteira, percebeu a inter-relação que todos estes grandes amigos
tiveram uns com os outros. Mais que o respeito mútuo, o relacionamento cordial
e profissional entre todos, pairava no ar uma amizade que transcende
explicações corriqueiras. Uma amizade que foi enlaçada por tubos e paredes
azuis, em baladas cheias de gargalhadas e histórias, não só nas praias da Ilha
de Santo Amaro, mas em muitas praias ao redor do planeta, no Sul, no Nordeste,
no Peru, no Hawaii, em Bali, na Costa Rica...
E
com certeza no além...
da horA DRAGÃO, VOCE E MONSTRO NO SURF E NO SEU BLOG E DESCE PRA NOIS PEGAR UMAS DIREITAS NA ILHA, FORTE ABRAÇO E PARABENS
ResponderExcluirUma era de ouro. Estive no Op pro e no Hang loose. Morava do lado de uma lojinha tipo ponta de estoque da Lightning Bolt, no Brooklin. Tive minha confecção em 86-92 e muito orientado pelo Celsinho da Wagon, um mestre na área. Quem viveu, viveu! SENSACIONAL o texto, é pura história e conhecimento desse mundo incrível do surf. Parabéns!!
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