Uma prévia do terceiro capítulo do livro:
"A Grande História do Surf Brasileiro"
Com base nas pesquisas realizadas até agosto de 2013, apresento aqui um esboço do texto proposto para o terceiro capítulo do livro, que trata dos primórdios do surf na cidade do Rio de Janeiro. Ao lançar estes primeiros capítulos "abertos" na internet, o objetivo maior é fazer com que a comunidade do surf interaja trazendo informações que enriqueçam este conteúdo e o projeto como um todo. A responsabilidade maior será no momento de imprimir, definitivamente, os mais de 50 capítulos do livro. Aí estaremos falando de 3, 5, talvez 7 mil exemplares, de um "documento" que ficará para nossas futuras gerações.
O convite para as críticas construtivas fica aberto aqui.
Vejam detalhes do projeto no SITE: www.hsurfbr.com.br
Capítulo 3 - (vinheta) MEMÓRIAS
(by Tom Veiga)
RIO ANOS 50 - "Inventores"
Berço do Surf
Brasileiro
Descobrindo
a aventura de cavalgar com pranchas as ondas em uma cidade maravilhosa.
Toda atividade nova surge pela ousadia de alguns poucos visionários. O
estopim para que as primeiras pranchas fossem construídas na cidade do Rio de
Janeiro foi a observação curiosa de tripulantes de aviões, ou marujos norte-americanos, que trouxeram as
primeiras tábuas, ainda nos anos 40, ocasião em que o Porto do Rio de Janeiro era
uma das bases aliadas durante a II Grande Guerra. A prancha foi embora, junto
com seu dono no navio. Mas a brincadeira não passou sem ser notada. O clima
convidativo das praias do Rio era algo entre a temperada Califórnia e o
tropical Havaí.
O surf se instalou aqui!
Essa prancha que veio ao Brasil
provavelmente havia sido fabricada com a madeira mais utilizada na época a
“redwood”, da família das sequoias da Califórnia. Os precursores apontam Paulo
Preguiça (DESCOBRIR NOME
REAL) como o indivíduo que, ainda nos anos 40, tentou (pelo o que havia
memorizado) construir uma prancha com madeira brasileira. Ele começou a surfar
em Copacabana, isoladamente.
Um segundo personagem fundamental é o
engenheiro Luís Carlos Vital, conhecido como Bisão. Ele e o amigo George Grande
fizeram uma prancha enorme, oca no estilo daqueles modelos de Tom Blake (ver CAPÍTULO 1 postado abaixo). Os
dois iam juntos na prancha com Luís Bisão, mais pesado, atrás. A princípio iam
deitados, mas logo na primeira onda que eles conseguiram ficar de pé, a prancha
se espatifou. Bisão construiu um outro modelo de tábua, menor e maciça, parecida
com uma prancha que já era utilizada para correr as ondas deitado (bodyboard),
esta já com o bico envergado. Vital aperfeiçoou seu design e fez meia dúzia de
pranchas iguais para os amigos. Foram as chamadas “Porta de Igreja”. A turma
era pequena, seis felizardos eram os donos das pranchas novas, que eram
divididas irmãmente, com as devidas prioridades, para os agregados.
ARDUÍNO COLASSANTI SEGURANDO UMA PRANCHA DO MODELO
"PORTA DE IGREJA" EM UMA DAS RARAS IMAGENS DESTE ARTEFATO.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL IRENCYR BELTRÃO (autor do clic: desconhecido)
A esta altura, início dos anos 50, o
pessoal já tinha eleito o Arpoador como o ponto de encontro da turma dos
pranchistas. Para lidar com aquelas ondas que vinham lá de fora, era necessário
ter intimidade com o mar. Estes precursores foram, na sua maioria, praticantes
de pesca submarina, mergulhavam com arpões, entendiam as correntes, como ela se
comportava ao lado das pedras. Bruno Hermany, que chegou a vencer dois mundiais
de pesca submarina, George Grande, que surfava mais de peito, gostava do bodysurfing,
Jorge Americano – Jorge Paulo Lemann, que depois se dedicou ao tênis, sendo um
dos poucos brasileiros que teve a honra de pisar na grama de Wimbledon, Gilberto
Laport, Arduíno Colassanti e um pouco depois Irencyr Beltrão são alguns dos
mais conhecidos desta turma pioneira.
Com estas pranchas eles faziam uma
linha reta diagonal e o objetivo era chegar o mais longe possível. Elas eram
basicamente retangulares e já tinham uma quilha, bem baixa, com cinco
centímetros de altura e compridas, corriam por um terço da prancha. As melhores
ondas eram surfadas das pedras lá fora até a linha da Francisco Otaviano, por quase
300 metros. Os destaques em termos de habilidade eram Jorge Americano, Gilberto
Laport, Paulinho “Macumba” Bebiano e Arduíno, que venceu a primeira competição,
que era para ser de pesca, mas como o mar estava turvo, batendo nas pedras, decidiram
mudar para surf. As meninas que estavam na praia decidiriam o vencedor. Com a
ausência do favorito, Jorge Paulo, Arduíno foi aclamado.
MADEIRITES – O AVANÇO
O surf começou a tomar forma, como uma
cultura de praia, nos anos 50, quando este grupo de mergulhadores, praticantes
de pesca submarina, homens do mar, que frequentavam as pedras do Arpoador,
enxergaram o potencial de diversão daquelas ondas. Eles podem ser considerados
a primeira geração de surfistas do Rio de Janeiro. O surf não pararia mais no
Brasil.
INÍCIO DOS ANOS 60. PRANCHAS DE MADEIRITE
NO POSTO DE SALVA-VIDAS DO ARPOADOR.
FOTO POSTADA POR MARCELO KANECA EM SEU BLOG - LENDAS DO RIO
A criatividade do brasileiro é notória,
este pessoal da pesca usava aquelas lanchas voadeiras, produzidas em compensado
naval. Irencyr Beltrão conheceu o construtor de barcos Moacir, em uma serraria
na Ilha do Governador. Irencyr foi lá para ver o barco de uma amigo do Clube
Marimbás, um clube de pesca localizado entre Copacabana e o Arpoador e surgiu a
ideia de utilizar este expert carpinteiro para sofisticar os modelos das pranchas.
Lá foram construídas as primeiras pranchas de madeirite, em 1959. A primeira
leva foi de três pranchas confeccionadas em folhas de compensado naval, já
tinham um shape com o bico e a rabeta arredondados, envergadura e as quilhas,
agora com curvas (foil), foram evoluindo também. O “segredo”, da localização da
fábrica na Ilha do Governador, era guardado a sete chaves pelos pioneiros, já
com receio que o crowd invadisse o Arpoador. Isso não poderia durar...
Na rua Francisco Otaviano, no coração
da Zona Sul, também havia uma marcenaria, que começou a produzir madeirites,
não com a mesma qualidade do seu Moacir, mas que satisfaziam o número crescente
de surfistas. A Serraria Arpoador chegou a fazer uma boa produção destas
pranchas. O modelo chegou a ficar tão popular que foi copiado e até lojas de
produtos esportivos, como a Procópio Sports, introduziram modelos em série destas
pranchas ao lado de raquetes de tênis e bolas diversas. O surf começava a se
popularizar em meados dos anos 60.
Com as pranchas de madeirite a
performance começou a tomar mais importância, além do controle da prancha, já
se desenhavam as primeiras manobras, mudanças de direção, sobe e desce, a
preocupação de colocar a prancha no ponto mais crítico na onda. A princípio os
surfistas usavam pés de pato, pois estas madeirites não tinham flutuação como
as pranchas de hoje. Ao colocarem o corpo sobre elas, afundavam, para entrar
mais fácil nas ondas a solução era o uso de pés de pato. Porém estes
atrapalhavam para subir na prancha, mas não se cortassem as pontas deles.
CAPA DO LIVRO DE TITO ROSEMBERG
PUBLICADO PELA EDITORA GAIA EM 2012
QUATRO SURFISTAS DIVIDINDO UM MESMA ONDA EM SUAS MADEIRITES, 1963.
O fenômeno das madeirites é uma típica
invenção 100% brasileira. Essa geração inicial de surfistas estava “inventando
a roda”, tudo era novo para eles e a busca pela melhor saída era a criatividade
dos envolvidos, muita coisa era feita na base da experimentação. Isso não
deteve o crescimento do surf no Brasil. Uma segunda geração foi se formando. Esta
viveu a primeira grande transformação, que seria a evolução das pranchas de
madeira para as de espuma leve, encapadas com fibra de vidro. Detalhes desta
fase serão apresentados no próximo capítulo das MEMÓRIAS DO SURF BRASILEIRO. Uma
forma de aquilatar esta popularização é a música “Vamos Pranchar”, que saiu no LP – Braziliance! De Marcos Valle. Os
irmãos Marcos e Paulo Sergio Valle também haviam aderido à onda do surf no
início dos anos 60.
O RIO E O RIO DOS PRANCHISTAS
Vivendo neste mundo moderno de hoje é
interessante darmos uma situada no que era o Rio de Janeiro daqueles tempos. A
região de Copacabana e Ipanema tinha água clara, sem poluição. O Arpoador era diferente
do resto do Rio, muitos dos frequentadores eram os esportistas, descolados, artistas,
os estrangeiros também gostavam de ir para lá. O astral daquelas pedras do
Arpoador era mágico. Uma das atividades mais empolgantes era a pesca submarina,
chegaram a ser capturados meros com 100kg perto do pontão. O pessoal saltava
das pedras. Encontrava diversão num ambiente que era mais selvagem do que
urbano, destaco o trecho de uma longa entrevistas que fiz com Otavio Pacheco,
para enriquecer diversos trechos do livro: “Nos anos 40 meus pais começaram a
frequentar o Arpoador, na época a cidade do Rio de Janeiro era concentrada do
Bairro do Flamengo para o centro e as pessoas, nos finais de semana iam até
Copacabana e os mais aventureiros seguiam em direção ao Arpoador e Ipanema, que
era um areal, uma restinga ainda. Foi nessa época que começou a cultura de
praia, eles foram pioneiros no frescobol, vôlei de praia, caça submarina...”
Até 1959 o Rio de Janeiro era a Capital Nacional, a principal porta de entrada do Brasil para quem vinha do resto do mundo, o Rio era o caldeirão de ebulição da ideias mais criativas, das tendências mais modernas que aportavam na América do Sul. A praia de Copacabana era um dos símbolos do Rio, com seu Palace Hotel, que havia sido inaugurado nos anos 20. Em 1955 o novo presidente eleito pelo povo, Juscelino Kubitschek havia assumido de forma empolgada querendo acelerar o Brasil, progredir “50 anos em 5”, esse era o lema. O país todo vivia momentos de euforia, a vida na praia começava a ser descoberta com maior ênfase na diversão e o surf era praticado basicamente por jovens, adolescentes que em sua maioria eram os novos adeptos. Isso tinha a cara do Rio.
BADUÉ SALTANDO DAS PEDRAS DO ARPOADOR COM SUA
PRANCHA DE MADEIRITE
FOTO DE 1964 EXTRAÍDA DO ACERVO DE ARMANDO SERRA
Muitos praticantes aderiram ainda na
era das madeirites: Múcio Palma, Badué, Charuto, Armando Serra, René Simas, as meninas Fernanda Guerra e Maria Helena, João
Cristovão, Pauleti Ribeiro, Fabio Kerr, o talentoso Jorge Bally, irmãos como Betinho e
Paulinho Lustosa, Marcelo e Walcir Rabello, Alexandre e Antonio Bastos, Mário
Bração e Piuí Brant. Mário inclusive foi um dos primeiros surfistas que decidiu
montar uma fábrica de pranchas, ainda no tempo das madeirites.
Também foram principiantes de madeirite
que se transformaram em shapers, Cyro Beltrão (irmão mais novo de Irencyr), Penho,
Tito Rosemberg, e os jovens Carlos Mudinho, Rico de Souza e Otavio Pacheco.
Estes surfistas começaram suas
aventuras de pé sobre as ondas ainda na era das pranchas de madeirite, mas
teriam uma influência ainda maior na nova fase do surf brasileiro, que
começaria após a vinda de um certo australiano (Peter Troy), que mostraria uma
nova abordagem. O novo caminho.
ESSA HISTÓRIA SERÁ CONHECIDA NOS
PRÓXIMOS CAPÍTULOS...
A segunda metade dos anos 60 foi uma
das épocas mais palpitantes não só para o surf do Rio de Janeiro, mas para todo
o desenvolvimento do surf que passaria por uma grande evolução, o Capítulo 5
será lançado na internet até o final do mês de outubro. Acompanhem...
ESTE PROJETO ESTÁ ABERTO PARA TODAS AS
COLABORAÇÕES QUE SERÃO ARQUIVADAS E ORGANIZADAS ATÉ O LANÇAMENTO DO LIVRO
IMPRESSO EM 2017.
Bibliografia e Pesquisa utilizada para
este capítulo:
SURFE – DESLIZANDO SOBRE AS ONDAS
(1980), Carlos K. Lorch – Editora Guanabra Dois
A HISTÓRIA DO SURF NO BRASIL – 50 ANOS
DE AVENTURA (1989), Alex Gutenberg – Editora Azul
ARPOADOR SURF CLUB (2012), Tito Rosemberg
– Editora Gaia
Matérias das revistas BRASIL SURF, TRIP,
FLUIR, HARDCORE, SOUL SURF e TSJ BRASIL.
Artigos da internet dos sites Waves,
ASP South America, 360 Graus, VW e www.revistadehistoria.com.br.
Blogs: Lendas do Surf de Marcelo
Kaneca, Blog do Rico
Depoimentos escritos, colhidos por
Wady Mansur de Arduíno Colassanti e Irencyr Beltrão e ainda E-mails enviados
por Armando Serra.
Entrevistas gravadas com Tito
Rosemberg, Rico de Souza e Otavio Pacheco.
Maravilhoso o blog, as histórias, show. Muito obrigado pelo primoroso trabalho. Forte abraço.
ResponderExcluir