Colocando
alguns pingos nos “iiiis”
Ricardo
Bocão já foi protagonista de uma postagem deste blog, em julho de 2014. Aqui
vamos falar especificamente de sua invenção em design, as pranchas de 4
quilhas.
REPRODUÇÃO DA ABERTURA DE MATÉRIA DE
AUTORIA DO FOTÓGRAFO BRUNO ALVES PUBLICADA NA FLUIR NÚMERO 3, NO INÍCIO DE 1984
Bocão teve o
insight para inventar as pranchas de 4 quilhas em 1981. Minha ideia para fazer
esta postagem surgiu ao reler na mais nova Fluir, a edição de aniversário, na
qual saiu publicada uma matéria que fiz com a entrevista de Penho (Carlos
Eduardo Siqueira Soares), para o projeto de pesquisa do meu livro. O editor chefe, Adrian
Kojin, viu um teaser neste blog, em uma postagem sobre Saquarema e me solicitou
que desenvolvesse um texto especial, mais abrangente. A matéria saiu com 14
páginas e certamente seria impossível colocar todas estas informações, tanto da matéria na Fluir, como os detalhes apresentados aqui neste blog, no livro. Ambos, Penho e Bocão, foram pioneiros e instrumentais no desenvolvimento dos designs.
O insight para fazer esta postagem (e o título) veio do fecho da introdução que Adrian preparou:
O insight para fazer esta postagem (e o título) veio do fecho da introdução que Adrian preparou:
REPRODUÇÃO DA INTRODUÇÃO DA MATÉRIA SOBRE PENHO
CLICK E AMPLIEM QUE É POSSÍVEL LER
PENHO
ABERTURA PUBLICADA NA FLUIR DE OUTUBRO 2015
ABERTURA PUBLICADA NA FLUIR DE OUTUBRO 2015
EDIÇÃO DE 32 ANOS
FOTOS DO ARQUIVO PESSOAL DE PENHO;
TITO ROSEMBERG (ARPOADOR) ; FEDOCA (PÍER)
CAPA DA EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO
JOHN JOHN
FLORENCE, TAHITI
FOTO: DOMINIC
MOSQUEIRA
Voltando ao
assunto principal deste post, as 4 quilhas de Ricardo Bocão, coloco abaixo mais
um trecho da grande entrevista que fiz com Bocão, na sede do Canal WooHoo, em
maio de 2013. Fiz edições mínimas, resguardando a espontaneidade com que ele me
contou esta história. Bocão ainda está preparando um livro, com Marcelus Viana
do Canal Off, trazendo a história completa das Quatro Quilhas.
BOCÃO E SEU QUIVER DA TEMPORADA 1981 \ 1982
SUNSET PARKING LOT
FOTO: PAUL COHEN
REPRODUÇÃO DA VISUAL ESPORTIVO Nº 14
Com a
palavra, Bocão, colocando outros pingos nos Is:
“Inventei as pranchas
de 4 quilhas em maio \ junho de 1981, logo depois que o Simon Anderson apareceu
com as pranchas de 3 quilhas (Thrusters). A história do Simon Anderson é muito
simples e a história das 4 quilhas também é muito simples. Simon Anderson
inventou a 3 quilhas, ou melhor, apareceu para o mundo com a 3 quilhas a
primeira vez na Semana Santa de 1981, em Bells Beach. E chocou ao ganhar o
campeonato em Bells com 15 pés de onda, usando um modelo de prancha diferente.
O que que o mundo surfava na Semana Santa de 1981, quando ele ganhou Bells?
Biquilhas.
Todo mundo usava as biquilhas que Mark Richards havia recriado em 1979. De 78 para 79. MR começou a dominar o circuito mundial, ganhou quatro títulos seguidos. No meio desse processo, no início de 1981, ou até no ano de 1980, quando começou o terceiro ano do domínio dele de biquilha... Lembre que todo mundo surfava de biquilha (a não ser no North Shore – mas isso era para ondas grandes). Tinha um ou outro surfando de single fin, o Cheyne Horan era um rebelde, mas todo mundo usava biquilhas. Eu, você... Para o surf hot dog e até um pouquinho maior, todos usavam biquilhas. Essa era a prancha comum.
Todo mundo usava as biquilhas que Mark Richards havia recriado em 1979. De 78 para 79. MR começou a dominar o circuito mundial, ganhou quatro títulos seguidos. No meio desse processo, no início de 1981, ou até no ano de 1980, quando começou o terceiro ano do domínio dele de biquilha... Lembre que todo mundo surfava de biquilha (a não ser no North Shore – mas isso era para ondas grandes). Tinha um ou outro surfando de single fin, o Cheyne Horan era um rebelde, mas todo mundo usava biquilhas. Eu, você... Para o surf hot dog e até um pouquinho maior, todos usavam biquilhas. Essa era a prancha comum.
Veio o Simon Anderson e
ganha Bells, que quebrou pequeno, médio e depois veio aquele swell de 15 pés.
Ele de triquilha. E todo mundo: ‘Uau, que prancha é essa?!!’ Ninguém tinha
visto.
E três semanas depois
ele venceu o Coke, em Narrabeen. Ninguém pode negar que a aceitação imediata
das 3 quilhas veio por conta disso. Ele vai lá e venceu Bells em ondas de 15
pés e semanas depois, na mesma perna do circuito mundial, de costas para a
onda, em ondas pequenas, ele venceu o Coke, em Sidney. Foi uma febre. Imediata,
instantânea.
E aí, o Valdir Vargas
que estava lá, na Austrália, sai de lá, passou por Bali para pegar umas
ondinhas e chegou no Brasil com uma McCoy de 3 quilhas. No meio de 1981 ele
chegou com a primeira 3 quilhas no Brasil.
O Penho trouxe a
primeira mini model para o Brasil, eu acho que o Valdir chegou aqui com a
primeira triquilha. Eu tenho certeza. Fica faltando alguém provar que não foi.
E lembre-se, que em 1981 não havia internet, surf na TV, a informação não
corria tão rápida. A informação era boca a boca. A Visual Esportivo, que era a
única revista, demorava dois meses para sair. Quando ela saia tinha assuntos de
quatro meses atrás. E a Surfer americana idem, que chegava aqui de navio.
Então, quando o Valdir
chegou com a 3 quilhas aqui, ninguém nem sabia direito o que estava
acontecendo.
Nessa época eu shapeava
para umas 4 a 5 pessoas, Ismael Miranda, Rosaldo Calvalcanti, Gironso, Fernando
Bittencourt e eventualmente para Moisés Levy e Rodolfo Lima (meu time eram
estes quatro primeiros surfistas, depois três, pois o Fernando foi para o
Daniel Friedmann). Com o Rosaldo Cavalcanti, que já era um cara antenado,
novinho, a gente já havia ouvido falar dessa história das 3 quilhas, mas aí o
Rosaldo chegou dizendo que o Valdir havia chegado no Brasil com uma prancha
destas e falou para mim: ‘Eu quero uma, vamos pedir emprestada a dele para você
copiar’. Eu liguei para o Valdir, passei lá e peguei.
Na ida para a oficina
da Brazilian Dreams, eu shapeava lá, o Capacete (Ítalo Marcelo), também
shapeava lá, eu não tinha oficina. Era uma oficina de laminação onde tinham
diversos shapers. Na ida o Rosaldo fala assim: ‘Vamos dar uma surfadinha’; só
para sentir a prancha. Eu achei a prancha uma merda, achei ela dura. Ela era
reta, sem V Bottom, era uma daquelas needle nose, com rabeta larga. Um squash
largão e o fundo era flat. Uma prancha dura, com a borda box, assim... (Bocão mostra a borda com a mão).
Eu achei horrível. Falei para o Rosaldo e ele. ‘Não quero saber, quero que você
me faça uma igualzinha’. Tá bom. Vou fazer uma igualzinha para você.
Eu saí da água. E uma
das coisas que eu achava que deveria fazer, antes de entrar no carro para ir
para a oficina, eu virei a prancha e coloquei ao lado da minha biquilha. Eu
havia levado a minha prancha, surfei um pouquinho com as duas. Eu virei assim a
minha prancha e virei a triquilha. As pranchas de fundo para cima, com as
quilhas e botei elas lado a lado, me afastei um pouquinho e fiquei olhando. Eu
só queria olhar, o fundo de uma, fundo da outra, as quilhas... As quilhas da
minha e as quilhas da McCoy e numa dessas, quando eu virei as quilhas, EU VI –
duas quilhinhas atrás.
EU VI. Já li sobre
isso, a maioria dos inventores, da lâmpada, do dínamo, eles foram pensados,
concebidos na cabeça dos caras, antes de fazer. O cara viu um dínamo
funcionando, depois ele foi atrás fazer. Thomas Edison viu a lâmpada
funcionando e depois foi procurar como fazer. Não todas as invenções, mas
algumas o cara concebeu antes.
Eu já havia tido uma
porrada de ideias e os caras brincavam comigo, que eu botava outline de rabeta
no bico, eu estraguei várias pranchas antes disso. Eu tinha essa
particularidade, ficava tentando inventar coisas diferentes. Eu insistia em
surfar com pranchas horríveis. Algumas eu realmente estraguei. Eu não era de
fazer o que todo mundo faz. Meu estilo de vida era totalmente diferente. Eu já
praticava esse tipo de coisa. Uma constante busca por uma coisa nova. Fui
ligando as coisas na mente e falei ‘Caraca, Rosaldo, tive uma ideia’. E ele,
‘Não vem não, eu quero minha prancha desse jeito’, mas eu cheguei na oficina e
a primeira coisa que eu fiz foi fazer a minha 4 quilhas.
Coincidente eu tinha
uma 5’8”, que seria uma biquilha que já estava laminada de um dos lados, com
uma pintura daquelas geométricas da época, prontinha. Ela só não tinha as
quilhas. Eu me lembro como se fosse hoje. Quando eu cheguei lá a prancha estava
no cavalete, pronta para colocar as quilhas e já estava com as duas quilhas com
aquele tape (fita crepe) para fixar na posição. Faltava dar o roving e laminar
dos dois lados. Dar o hot coat embaixo e fixar as quilhas. De fato, era laminar
as quilhas e dar o hot coat no fundo. Eu falei – para aí. Me dá uma quilha,
peguei um papel e desenhei uma quilha grande de biquilha normal, cortei três
dedos da base. Falei: ‘Faz duas quilhas dessa para mim, urgente’. Na época
tinha aquelas bandejas de quilhas que o cara cortava várias. Quando ficaram
prontas fui colocar com o laminador, onde eu achava que era para coloca-las.
RÉPLICA DA CRIAÇÃO DE BOCÃO DO ACERVO
DA ALMA SURF
ROMEU ANDREATTA ME CONVIDOU PARA
FAZER A CURADORIA DE 50 RÉPLICAS DE PRANCHAS HISTÓRICAS DE DIFERENTES SHAPERS
A QUATRO DE BOCÃO FOI UMA DAS
ESCOLHIDAS
FOI FEITA POR RICARDO MARTINS, NA OFICINA DA WET WORKS
COM AS MEDIDAS FORNECIDAS POR BOCÃO
FOI FEITA POR RICARDO MARTINS, NA OFICINA DA WET WORKS
COM AS MEDIDAS FORNECIDAS POR BOCÃO
FOTOS: DRAGÃO – FESTIVALMA 2009
Simples meu irmão. Se
eu vi duas quilhas atrás, elas deveriam ser na mesma direção e no mesmo ângulo
e também na mesma distância da borda, só que um pouco mais para trás.
Exatamente paralelas. O que eu tive de decidir ali era o quão para trás eu
deveria coloca-las. Fixei e mandei laminar. Aí começou.
Começou a zoação.
Geral. De todo mundo. E não parou mais durante dois anos. Que eu me lembre não
teve um, a não ser o Joca Secco, que foi o único que chegou para mim e falou:
‘Pô, essa prancha tá andando rápido, hein?’
Eu peguei essa prancha
e estreei ela num dia de ondas boas atrás do Pontão no Arpoador e a
característica dela ficou clara, logo de início, que era a velocidade. E o
Arpoador era bom para isso. Eu nem manobrei tanto. A quatro quilhas tinha a
mesma soltura da biquilha só que com mais drive. Mais pressão. Mas 99% das
pessoas achavam que eu estava querendo aparecer. A força das pranchas de 3
quilhas era avassaladora. É óbvio que o impacto do meu negócio iria ficar
amortecido.
Isso foi em junho, eu
resolvi que eu ia colocar um anúncio na Surfer e na Sunfing, em preto e branco.
Era US$ 1.500 cada um, cheguei até a escrever uma carta para perguntar sobre
preços. Eles me responderam. Seria um anúncio assim: 4 QUILHAS – RICARO BOCÃO,
só para registrar. Aí já era agosto para
setembro de 1981, quando recebi a resposta deles. E aí eu pensei: ‘Quer saber,
vou gastar 3 mil dólares, para colocar dois anúncios...’ Com estes 3 mil
dólares eu vou para o Hawaii, vou entrar no Pro Class Trials, tentar entrar no
campeonato de Sunset e no Pipeline Masters, vou levar só um quiver de 4 quilhas
e empurrar este modelo goela abaixo dos caras. Os caras vão ter que ver. E foi
o que eu fiz. Juntei o meu dinheiro que eu usaria no anúncio, fui para o
Hawaii, com um quiver de 4 quilhas: 5’8”, 6’8” e duas 7’4”. Eu tinha duas
dessas maiores. Até o Picuruta utilizou uma com seda da Gledson emprestada. Eu
ainda tinha uma 7’10” do BK – Barry Kanaiaupuni e uma 9’4” (ambas monoquilhas) e este era
o meu quiver.
Dali eu fiquei dois anos
usando 4 quilhas em tudo. Fui para a África do Sul duas vezes. Os dois
primeiros OP Pros da Califórnia em 1982 e 1983 eu surfei de 4 quilhas. No
Festival Olympikus eu fiquei em nono duas vezes. Perdi nas duas vezes apenas
para o campeão. Para o Luís Neguinho no primeiro e para o Picuruta no segundo,
mas passei as triagens, disputei o primeiro homem x homem, que era os Back 14 e
também a segunda rodada (Top 16) e fiquei em nono. Usando só 4 quilhas.
A única coisa que mudou
é que no meio desse caminho eu fiz algumas pranchas com aquele ‘bico de pato’.
Aí todo mundo achou que não deu muito certo, mas foram estes bicos. Os bicos de
pato foram apenas um pedaço dessa história. Isso durou só quatro meses. Mas, em
um período de dois anos, cheguei a fazer umas 45 a 50 pranchas de 4 quilhas. E
mesmo em ondas de bom tamanho no Hawaii eu surfei com a 4 quilhas.”
TESTANDO SEUS DESIGNS NO NORTH SHORE
EM 1983
FOTO: PAUL “GORDINHO” COHEN
ABERTURA DAS MATÉRIAS SOBRE SEU
DESIGN NAS REVISTAS BRASILEIRAS
VISUAL ESPORTIVO NÚMERO 14, DE 1984
FLUIR NÚMERO 3, TAMBÉM DE 1984
VENICE MAGAZINE DE JUNHO DE 2008
MATÉRIA DE KIKO CARVALHO
(repare nas “bicos de pato”)
FUI CONVIDADO PARA ESCREVER UM BOX AO
FINAL
FORAM 8 PÁGINAS USANDO A MATÉRIA DA
VISUAL COMO PANO DE FUNDO
CAPA DA VENICE NA QUAL SAIU ESTA
MATÉRIA
RECORTE DE UMA PÁGINA DUPLA DA FLUIR
NÚMERO 3
ISMAEL MIRANDA, TEAM RIDER DO BOCÃO,
É O SURFISTA GOOFY
REPRODUÇÃO DA VISUAL ESPORTIVO
REPRODUÇÃO DA FLUIR NÚMERO 4
TEXTO ASSINADO PELO SHAPER ALEXANDRE
MORSE
PAULO ISSA LAMINANDO UMA 4 QUILHAS NA
SQUALO
FERNANDO MURRINHA, PIONEIRO DO SURF
NORDESTINO
ESTA 4 QUILHAS ELE FEZ COM BASE NA
MATÉRIA DA VISUAL ESPORTIVO
INÍCIO DOS ANOS 80
FOTO: CLÁUDIO MARANHÃO
Esta segunda
postagem, tendo Ricardo Bocão como protagonista neste blog, com certeza não
será a última. Ainda guardo um trecho da entrevista que fiz com ele, explicando
o pioneirismo em termos de patrocínio, que merece um destaque especial. Saibam, que neste quesito, os brasileiros também fizeram ANTES que australianos e norte-americanos. Minha pesquisa continua e trarei depoimentos de Cauli e outros de nossos primeiros pros.
Na verdade,
este blog não vai parar de trazer as histórias que causaram impacto na evolução
do surf brasileiro. Esta atitude pioneira de Bocão estará no seu capítulo como
ícone de nosso surf e também deve ser abordada quando falamos do
desenvolvimento de pranchas por brasileiros. O design de pranchas nacionais que
pode começar com as madeirites de Irencyr Beltrão, passando pelas mini models
de Penho (que inclusive as introduziu no Peru – leiam a matéria na Fluir – N.
#360 – OUT 2015), culminado com os designers atuais, as máquinas de shape de Luciano
Leão, espalhadas pelo planeta. O modelo de máquina desenvolvido por Avelino
Bastos, que puxa duas pranchas de forma concomitante e traz outros avanços que
facilitam a vida dos shapers, aos foguetes que Marcio Zouvi, Johnny Cabianca e Xanadu
fazem para Filipinho, Medina e Caio Ibelli destroçarem as ondas do Tour...
Todos estes
assuntos serão abordados no livro “A GRANDE HISTÓRIA DO SURF BRASILEIRO”, que
tem seu lançamento programado para 2016.
VEJAM DETALHES NO SITE: WWW.HSURFBR.COM.BR
Para
conhecer um pouco mais sobre a história de Ricardo Bocão:
Como todo gênio, bocão não foi compreendido por descriminação e porque poucos são capazes de enchergar o que há no amanhã ou seja visionário, mas é impressionante sua vontade de provar que sua criação estava mais além do que sua época, tenho orgulho de ter experimentado um modelo quadri na década de 80, parabéns bocão.
ResponderExcluirComo todo gênio, bocão não foi compreendido por descriminação e porque poucos são capazes de enchergar o que há no amanhã, ou seja ser um visionário, mas é impressionante sua vontade de provar que sua criação estava mais além do que sua época, tenho orgulho de ter experimentado um modelo quadri na década de 80, parabéns bocão, muito respeito.
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