sexta-feira, 16 de setembro de 2016

UM SCRIPT NA WSL?

Reflexões sobre a etapa 2016 da Califórnia

Essa história é recente, bem recente. Muita polêmica ocorreu, não só na bateria de Gabriel Medina (acintosa), mas também em outras baterias do Hurley Pro 2016 realizado em Trestles, no sul da Califórnia. Nesta postagem voltarei a dar asas a um dos aspectos que sempre gostei como jornalista de surf, a cobertura e analise de campeonatos.

IMAGEM CAPTURADA DO SITE DA ESPN BRASIL

As ondas de Trestles são consideradas o paraíso do surf de alta performance, raramente passam dos 2 metros e proporcionam uma plataforma perfeita para um display das manobras mais modernas e também do surf de linha, para esquerda e direita. Um prato cheio para os melhores surfistas de qualquer tempo.
As competições em Lower Trestles tem sido um termômetro da percepção do surf de vanguarda desde o final dos anos 80, quando Christian Fletcher mandou aéreos com maior consistência. Logo em seguida Kelly Slater deu seu show no Body Glove Surfbout, vencendo o campeonato que foi registrado no filme Kelly Slater in Black and White, cunhando a célebre frase: “It’s the morning of the finals” em que a câmera (no estilo reality show) pega o garoto, com 18 anos na ocasião, acordando na cama e o acompanha até o pódio. O surf que ele apresentou naquela manhã de 1990 era um vislumbre do futuro do esporte.
Entre eventos do WQS, do Circuito Americano, NSSA e a partir dos anos 2000 do WCT, as ondas de Lowers foram palco de algumas das apresentações mais impressionantes, por vezes dominantes (no caso de Slater), do surf mais moderno da hora. Slater venceu meia dúzia de etapas do WCT lá. Os brasileiros Miguel Pupo, Gabriel Medina e Filipe Toledo também venceram, mas apenas etapas do QS. Com performances estupendas.
Neco Padaratz e Fabinho Gouveia fizeram uma final de WCT na Califórnia, mas foi em Huntington Beach, em 1999, uma das três finais do WCT 100% brasileiras, as outras foram em 1977, com Daniel Friedmann e Pepê Lopes no Waimea 5000 e a mais recente final do Rip Curl de Portugal, em 2015, com Filipinho e Ítalo Ferreira em Peniche. Porém, em Trestles, uma vitória brasileira no WCT está escalada para a história futura do surf.

FILIPE TOLEDO FOI O BRASILEIRO QUE MELHOR SE APRESENTOU EM 2016
FOTO RECORTADA DO SITE DA WSL

Este aéreo de Filipinho foi na semifinal em que acabou desclassificado por Jordy Smith. Valeu um 8,33 por esta única manobra contundente. Com ondas escassas, mesmo em uma bateria de 35 minutos, Filipe fechou a bateria com prioridade, aguardando uma onda que lhe proporcionasse um nove e pouco (“no big deal” – coisa fácil para ele), caso a onda que ele precisava viesse. Todos os locutores da WSL, inclusive os internacionais, consideravam Filipe o favorito naquele evento. A aguardada onda nunca veio. O sul africano Jordy mereceu a vitória.
Acho fascinante todo esse progresso e acompanhando o evento pela internet e pela ESPN Brasil, de meu escritório na capital paulista é possível tomar um bom juízo jornalístico. Trabalho com o computador e TV ligados, acompanhando e pesquisando sobre tudo que acontece no mundo do surf.

NESTE CASO RECENTE TEMOS EM TEMPO REAL, IAN GOUVEIA A CAMINHO DE SUA VITÓRIA EM AÇORES NO WEBCAST, ENQUANTO ASSITO BRAZILIAN STORM PASSANDO NO CANAL OFF E YAGO DORA EM BATERIA DO VOLCOM PIPE PRO 2016

A FAÇANHA MAIS RECENTE QUE TEMOS PARA COMEMORAR É A VITÓRIA DA “DINASTIA GOUVEIA” NO CAMPEONATO DE AÇORES, UM EVENTO EM QUE OS BRASILEIROS SE SENTEM EM CASA E CHEGAM JUNTO
NA FOTO JUSTINE DUPONT (FRA) CAMPEÃ FEMININA E IAN GOUVEIA
FOTO: MASUREL / WSL

A perna europeia da WSL está em full swing e no final de setembro teremos os eventos de Cascais, um WCT para as mulheres e uma etapa do QS 10000 decisiva para os homens, mas o assunto agora é o Hurley Pro em Trestles, vamos voltar para lá.

NESTE EVENTO OUTRO GRANDE DESTAQUE BRASILEIRO FOI A PARTICIPAÇÃO DO ROOKIE ALEX RIBEIRO, QUE CONSEGUIU SUA MELHOR CLASSIFICAÇÃO DO ANO, UM QUINTO LUGAR, EXIBINDO O SURF QUE O LEVOU À ELITE
REPRODUÇÃO DO SITE SURFGURU


A POLÊMICA & O JULGAMENTO

O caso da bateria de Gabriel Medina contra Tanner Gudauskas teve repercussão mundial. Hoje, com as redes sociais borbulhando, o barulho fica grande. Fiz uma varrida em diversos comentários que pincei da internet e irei costura-los aqui abaixo. Até fiz questão de deixar esta poeira baixar um pouco para fazer uma analise mais fria, fora do calor daquele momento crucial. Aliás, acho que a família Medina faz bem de abandonar a área como um relâmpago. Charles mostrou sua indignação e deram pista dali. Minutos após a bateria a transmissão oficial do evento mostrou o “locker” (armário) de Medina totalmente vazio. Gabriel fez um breve relato no Instagram de que estava “cansado” e sumiram da cena. BOM. É hora de reagrupar e pensar nas etapas da Europa. Afinal, a bola ainda está em campo e a onça só deve beber água no Hawaii.
Na minha opinião Medina venceu aquela bateria. Foi apertado, mas o erro dos juízes no início da bateria não justifica a forma como eles provocaram o desfecho da peleja. Mesmo antes dos comentários de Kelly Slater, sempre sábios e com conhecimento de causa, eu também havia refletido e ficava a pulga atrás da orelha da armadilha em que os juízes haviam se metido ali.

2 COISAS – VEJAM O QUADRO DE NOTAS

1
Na primeira troca de notas: o 8,5 de Tanner foi mal julgado (ou melhor o 8,83 de Medina foi super-avaliado) e eles tentaram corrigir isso na segunda nota. Em minha opinião a primeira onda de Gudauskas foi um pouco melhor que a do Gabriel. Isso gerou aquela situação alarmante no final da bateria, na qual a onda de 7 (sete) manobras fortes do Medina valeu apenas 8,30.
2
Que fique bem claro, eles sempre negarão isso de pés juntos, mas não precisa – é justo e natural. Vamos assumir: as notas vão sendo dadas ao longo da bateria, o importante é que no trâmite daqueles 30 ou 35 minutos seja declarado vencedor o cara que surfou melhor, naquelas condições. Muitas vezes (na grande maioria das vezes sai o resultado justo) uma bateria fica tão apertada, que poderia ir para qualquer lado. E os juízes tem que decidir isso. Nesta bateria específica, as duas melhores ondas de Gabriel deveriam ter lhe proporcionado a vitória.

GABRIEL MEDINA, COMO ERA ESPERADO, ESTEVE ARRASADOR EM LOWER TRESTLES, PASSOU UMA BATERIA COM INTERFERÊNCIA E TUDO E SAIU DA COMPETIÇÃO DE FORMA DUVIDOSA. SEU SURF É DE CHEGADA, NÃO IMPORTA A LOCAÇÃO, ESTÁ APTO AO PÓDIO EM TODA E QUALQUER ETAPA DO WCT E ACREDITO QUE DURANTE A SUA CARREIRA VENCERÁ EM CADA UMA DAS LOCAÇÕES
A REVISTA SURFAR PUBLICOU A COMPARAÇÃO DAS DUAS ONDAS DECISIVAS, MAS A IMAGEM FOI RETIRADA PELA WSL REIVINDICANDO OS DIREITOS


A WSL ainda não se manifestou sobre isso e talvez nem o faça.
Mas, com certeza, haverá uma série de reuniões internas e muita reflexão para que haja uma evolução em todos os aspectos da WSL e o julgamento é um dos fatores chave de credibilidade do esporte. Tenho certeza que o processo vai continuar seu ciclo de aprimoramento.
ABAIXO alguns recortes da internet que fiz para ilustrar esta postagem:


NO SITE EUROPEU SURFER’S VILLAGE A CHAMADA COMENTAVA QUE A “CONTROVÉRSIA DE JULGAMENTO ESTAVA QUENTE” E DESTACA A OPINIÃO DE KELLY
 A SURFING LIFE AUSTRALIANA DISSE “TENSÃO CONTINUA A FERVER A RESPEITO DO JULGAMENTO DA WSL” E TRAZ UMA IMAGEM DE JEREMY FLORES FAZENDO O MESMO GESTO DE MEDINA, APLAUDINDO OS JUÍZES

NO SITE WAVES OS COMENTÁRIOS DE RENAN ROCHA E EDINHO LEITE APARECEM ILUSTRADOS COM OS APLAUSOS DE MEDINA

NOS FORUMS DA WSL TODO O TIPO DE COMENTÁRIO


O SITE SURFLINE FEZ UMA ENQUETE COM DIVERSOS SURFISTAS PROFISSIONAIS, PERGUNTANDO O QUE PODERIAM SUGERIR PARA QUE ESTA QUESTÃO DO JULGAMENTO DO WCT PUDESSE MELHORAR


ÍCARO CAVALHEIRO UM DOS JUÍZES DO QUADRO DA WSL
CAPA DA REVISTA HARDCORE EM OUT \ 1992

Não acredito em uma conspiração de julgamento, nem que a WSL deseje induzir um determinado campeão. Os juízes que assumem o posto para julgar a elite são os mais tarimbados do mundo. Ícaro e Luli Pereira estão hoje entre juízes de todos os centros de surf mundial. Ainda farei uma postagem especial aqui neste blog falando sobre os juízes brasileiros, com trechos de entrevistas que me ajudarão a montar o capítulo do livro que falará sobre o trabalho deles. Uma linhagem que começou com Penho, que trouxe os parâmetros de julgamento, após participar do Campeonato de Makaha, ainda nos anos 1960, ajudou Paulo Issa, de cima de cadeirões, nos primeiros Festivais de Ubatuba... Toda nossa estruturação com Xandi Fontes, Jordão Bailo, Rominho Fonseca (os primeiros que atuaram na ASP), passando por Arnaldo Spyer (primeiro Head Judge da Abrasp), Sergio Gadelha, Lapo Coutinho, Renato Hickel, que ascendeu ao posto de Head Judge da ASP e hoje é um dos gerentes da WSL.  
Aqui neste blog já me debrucei sobre a análise do julgamento, vejam nas postagens da virada deste ano, quando da ocasião do título de Adriano de Souza. Não é o caso de ficar defendendo os juízes, como o próprio Jeremy Flores colocou, “o trabalho deles não é fácil”, mas com o nível das transmissões de hoje em dia, sendo escrutinizadas por especialistas e leigos “profissionais”, não só os atletas, mas os juízes também ficam na berlinda.
Tudo isso toma um segundo plano, pois o circo não pode parar e no início do próximo mês teremos as duas etapas da perna europeia, tradicional região em que os brasileiros ficam à vontade e tem sucesso nos beach breaks do Velho Mundo. Gabriel Medina já venceu dois eventos do WCT em Hossegor, sem contar a final do Quiksilver King of the Groms, ao lado de Caio Ibelli, em 2009, ambos eram teens. Nossos campeões têm história ali e Adriano de Souza também venceu uma final (do WQS) em Hossegor, tendo ao seu lado Odirley Coutinho, isso foi em 2005, na época o campeonato era patrocinado pela Rip Curl, um evento 7 estrelas!!! Isso foi na década passada. Agora é o momento de olhar para a temporada de 2016.

A CORRIDA PELO TÍTULO
Independente do que aconteceu em Trestles, com três etapas e 30.000 pontos em jogo a corrida está aberta e só teremos uma figura mais clara da situação após a etapa de Portugal. John John Florence pode chegar para Pipeline com o título sacramentado, por outro lado, os 12 primeiros surfistas do ranking e mais, até Michel Bourez (13º) com duas vitórias na França e Portugal, pode entrar na briga. Ítalo, Mineiro e Filipinho ainda guardam chances matemáticas de entrar nessa briga, vejam o ranking pós Califa:


Essa temporada está bastante atípica. Reparem que tanto John, como Gabriel estarão segurando uma pontuação de 13º. Os descartes entrarão em cena apenas após a etapa de Portugal, aí que surge a vantagem de Matt Wilkinson, pois ele tem duas pontuações de 500 para jogar fora, enquanto Gabriel e John descartam sempre 1.750 pontos. Caso Wilko tenha um bom resultado em uma das duas etapas da Europa, chegará ao Hawaii firme no jogo.
John John Florence e Gabriel Medina, vencedores das mais recentes etapas do Quiksilver Pro France são francos favoritos, mas se analisarmos com calma o ranking desta doida temporada, podemos ver que qualquer um dos surfistas da imagem acima (exceto por Fanning que tirou o ano sabático), pode chegar no Billabong Pipeline Masters como postulante.
Então, nos resta apreciar a peleja e torcer para que os juízes da WSL também estejam inspirados para que o título mundial, desta nova bela taça da WSL seja agraciado sem controvérsias, como tem sido nos últimos anos. E de forma espetacular.

CARISSA MOORE E MINEIRINHO, CAMPEÕES DE 2015. NOVA TAÇA DA WSL
COM AREIA DAS PRAIAS E NOME DOS CAMPEÕES ENCRUSTADOS NO INTERIOR
OS NOVOS CAMPEÕES SERÃO GRAVADOS DO LADO EXTERNO
FOTO: CESTARI \ WSL


Minha suspeita (chute) é que chegaremos ao Billabong Pipeline Master 2016 com novamente 6 candidatos com chances matemáticas ao título. Isso seria o mais emocionante. Mas chegou a hora de polemizar mais um pouco e voltar ao título desta postagem. É óbvio que para a WSL seria lindo John John chegar ao seu merecido e sonhado título, ou até (mais memorável ainda) Kelly Slater ganhar a inusitada 12ª taça. Esse seria um SCRIPT PERFEITO para fechar esta temporada. Mas é óbvio que o slogan da entidade deverá ser levado à risca e chegada a etapa havaiana, tudo pode acontecer. Só resta nos acomodarmos melhor na poltrona, ou para os mais sortudos, achar um lugar macio nas areias de Pipeline e deixar a coisa acontecer. Que vença o melhor do ano, que seja merecido e que ondas especiais, melhores que as do ano passado, venham brindar o dia decisivo.
Em breve novas postagens aqui neste blog que é um aperitivo para o lançamento do livro A GRANDE HISTÓRIA DO SURF BRASILEIRO, agora projetado para ser lançado em 2017.

Para finalizar, não consigo me conter de deixar mais um registro histórico, este dos ANOS 1970. Primeiro com esta bela foto da final do único Campeonato do Píer de Ipanema, realizado em 1972 e que teve seu desfecho no início de 1973.

FINALISTAS, DA ESQUERDA PARA A DIREITA: BETÃO (3º), WANDERBILL (6º), YSO (2º), MARACA (5º), OTÁVIO PACHECO (1º) E PAULO PROENÇA (4º)
FOTO DE NANDO MOURA IRMÃO DE YSO AMSLER


O campeonato do Píer será abordado com enfoques diversos no capítulo do livro que vai falar da importância do Píer de Ipanema na evolução do surf brasileiro. Vejam a postagem do vice-campeão do evento, Yso Amsler, na ocasião da polêmica tratada acima:

RECORTE DE PÁGINA DO FACEBOOK
ALEX DU MONT E YSO AMSLER SÃO DOIS SURFISTAS QUE TENHO BELÍSSIMAS ENTREVISTAS GRAVADAS EM MEU IPHONE

A evolução deve ser buscada de forma constante, nos valendo da experiência e bom senso dos surfistas que vieram antes, devemos continuar nosso caminho de progresso neste esporte. A safra atual de surfistas (masculinos) brasileiros é incrível. Olhando mais para a frente, em 2020 teremos o surf nas Olimpíadas. Não sei quantos atletas teremos lá? Pela previsão serão 20 homens e 20 mulheres ao todo. Precisamos fomentar novamente o surf feminino buscando sucessoras para a competitividade de Andrea Lopes, Tita Tavares, Jacqueline Silva, Silvana Lima... Mas isto será assunto para um postagem especial aqui.


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